Clemente Ganz Lúcio
O ano de 2019 começou agitado. As tragédias da Vale e do CT Flamengo, entre outras, mostram algumas das inúmeras e gravíssimas consequências das decisões que buscam o máximo lucro e o “melhor” dos resultados. São decisões “naturalizadas” como da esfera privada, mas que afetam a vida de todos. São organizações privadas que descumprem leis e normas e aliciam agentes públicos para atuar em prol dos interesses delas: lucro, sempre e mais lucro! Mas esse assunto e os inúmeros desdobramentos podem ser tratados em artigos futuros, no clima quente das privatizações e da intencional desqualificação do papel, das funções e gestão das empresas estatais.
Fevereiro também é marcado pela retomada oficial dos debates sobre a reforma da Previdência e Seguridade Social, por meio do projeto a ser apresentado ao Congresso Nacional pelo governo de Jair Bolsonaro. Nesse mês também, o movimento sindical brasileiro, por meio da iniciativa mobilizadora das Centrais Sindicais, retoma as ações para enfrentar e atuar em relação a esse tema. No contexto das inúmeras adversidades da reforma trabalhista e dos ataques às organizações dos trabalhadores, as entidades sindicais se colocam em marcha, na luta pela manutenção de direitos laborais e sociais.
A Previdência Social e a Seguridade são direito de toda a sociedade. A disputa distributiva da produção social do trabalho se faz em vários níveis, desde o local de trabalho, passando pela categoria, pelas leis e normas e políticas públicas. A Seguridade e Previdência Social representam o maior instrumento da política pública, pois envolvem a saúde, a assistência e a previdência. São o maior gasto do orçamento (não incluindo o custo da dívida pública) com as despesas correntes. É uma questão que está no debate, com a prioridade imposta pelo mercado (setor produtivo, mobilizado pelo sistema financeiro), porque o governo prometeu cortar gastos de um orçamento deficitário. Cuidado! Para entrar nessa discussão, é preciso entender os interesses de cada ator social envolvido em cada situação.
É a cunha fiscal que impõe a prioridade da agenda. Contudo, o desafio fiscal é muitíssimo mais amplo do que a questão do propalado déficit da Previdência.
A Seguridade e a Previdência Social estão na disputa distributiva há mais de um século, junto com a pauta dos salários e da redução da jornada de trabalho. Em cada país se estruturou, especialmente no pós-guerra (1945), políticas públicas que articularam sistemas de proteção social de amplitude de tendência universal.
A Previdência Social se organizou para proteger a renda do trabalho na velhice e no infortúnio do afastamento por motivo de saúde, acidente ou morte. A inclusão contributiva de milhões criou fundos ou fluxos de vultosos recursos. Como o tempo não para e a vida segue, os contribuintes começaram a ter acesso aos benefícios pactuados e para os quais contribuíram. Aumentou, e continua aumentando, a quantidade de beneficiários.
O Sistema de Seguridade – especialmente saúde e saneamento, junto com os demais avanços da medicina e da urbanização – reduziu o número de mortes de crianças na primeira infância e fez com que a expectativa de vida crescesse. Com o aumento da longevidade, os Sistemas de Seguridade e Previdência devem se organizar para dar conta de cumprir com as funções para as quais foram criados, servindo mais pessoas e por mais tempo. A equação precisa ser permanentemente atualizada, cuidadosa e criteriosamente analisada, para que as repactuações sejam fruto de debates políticos complexos e de compromissos geracionais explícitos (direitos das atuais e futuras gerações).
Os direitos envolvidos na Seguridade e Previdência são financiados pelos resultado do trabalho social que produz a riqueza econômica. Quanto do que é produzido deve ser canalizado para financiar as políticas públicas? O que e quanto dá para fazer com os recursos arrecadados? Quanto é possível arrecadar a mais? Quantos deixam de contribuir e em quanto tempo podem ser recuperados esses recursos? Essas e inúmeras outras questões precisam estar nos debates, mobilizar propostas e instruir decisões.
A Seguridade e Previdência Social não são um problema. São um desafio civilizatório de alta complexidade, cujo objetivo deve ser construir, permanentemente, com a renda e riqueza do trabalho, a proteção coletiva para todos, de maneira universal e igualitária.
Para deliberar sobre o futuro de todos é preciso muita previdência!
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Grupo Reindustrialização.
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