Documento elaborado pelo economista Eduardo Moreira, com colaboração de Eduardo Fagnani e Paulo Kliass. Faça o download clicando aqui.
1.1. O direito à previdência foi consagrado pelo poder constituinte como um direito fundamental a prestações, concretizado para os trabalhadores da esfera privada com a instituição da Previdência Social e do Regime Geral no capítulo da seguridade social, e para os trabalhadores do Estado com a instituição dos Regimes próprios dos entes federados, no capitulo da Administração Pública. E em ambos os regimes o poder constituinte optou por benefícios definidos; é dizer, os benefícios têm valor determinado em função do salário de contribuição, ficando assegurados ao universo dos trabalhadores privados e ao universo dos trabalhadores do Estado. Em ambos os regimes foi agregada a garantia de seu reajustamento periódico “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real”.
A Constituição deu destaque ao direito à aposentadoria, instituindo várias modalidades, para assegurar uma sobrevivência digna ao trabalhador ao esmorecer a sua força de trabalho. Considerou, certamente, que os proventos de aposentadoria tem a mesma natureza do salário. Se este, sendo destinado a produção e reprodução da força de trabalho, é atribuído à pessoa do trabalhador garantindo sua manutenção, a aposentadoria deve lhe assegurar a continuidade do direito à vida, em face do trabalho já prestado a sociedade.
Além disto, o constituinte assegurou o financiamento compartilhado dos benefícios, imputando obrigações fundamentais (a) às empresas e aos empregadores, beneficiários diretos do trabalho prestado ao longo da vida profissional; (b) à toda a sociedade, beneficiária mediata do trabalho (através dos tributos pagos); (c) aos entes federados e ao próprio trabalhador¹. E no artigo 40, o constituinte originário assegurou ao servidor público regime de previdência de caráter contributivo e solidário, atribuindo a obrigação correspondente a este direito ao ente público tomador do trabalho e ao próprio servidor. As obrigações fundamentaisinstituídas pelo constituinte para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais à previdência são uma concretização do princípio da solidariedade, consagrado entre os objetivos fundamentais da República. Este o sentido maior da afirmação de que os regimes de previdência instituídos são solidários.
1.2. Todas as garantias institucionais foram positivadas no topo do ordenamento pelo constituinte para que o direito fundamental ficasse fora do alcance da vontade das maiorias eventuais, expressa pelos poderes constituídos. Somente por emenda constitucional poderiam ser modificados, ainda assim sem que a vontade da maioria qualificada exigida (de 3/5 com duas votações em ambas as casas) tenha discricionariedade ilimitada. Daí o propósito do governo, ao projetar em duas etapas a reforma da previdência – primeiro remete o ajuste dos dois regimes para o legislador complementar, autorizando também os poderes constituídos a instituir o novo regime de previdência social com base no sistema de capitalização individual. Nos pronunciamentos ministeriais e nas falas dos agentes autorizados de sua base ficou claro que o governo visava contornar a dificuldade de sua aprovação.
A Previdência Social e o Regime Geral, ou os Regimes próprios, são consideradas garantias institucionais porque foram positivadas pelo poder constituinte no topo do ordenamento, com o propósito de guarnecer os direitos fundamentais dos trabalhadores à previdência. Assim sendo, a sua retirada da Constituição, com atribuição aos poderes constituídos de competência para reescrevê-los com ampla discricionariedade, corresponde a uma abolição de tais garantias institucionais, sendo garantias institucionais que correspondem a direitos fundamentais, tem o estatuto de garantias fundamentais. Assim sendo, a retirada do Regime Geral e dos Regimes Próprios da Constituição afronta o disposto no § 4º, inciso IV, do artigo 60 da CF, que veda a deliberação de emenda tendente a abolir essas garantias.