Rafael Villas Bôas / UnB, campus de Planaltina[1]

O Jornal Nacional da TV Globo decidiu fazer uma reportagem um pouco mais longa sobre a greve do ensino público federal, veiculada no programa de 29 de junho de 2012. Para isso destacou uma equipe de sua central de produção no Rio de Janeiro, que voou no avião do Jornal Nacional para João Pessoa para fazer a cobertura. Como de costume, parte do tempo da reportagem foi gasto com a auto-propaganda da emissora, com imagens externas e internas da jornalista no avião.

A jornalista informa que está às 7h30 da manhã no campus de uma universidade vazia, em tempos de greve, mas que em dias comuns é muito movimentada com a chegada da comunidade acadêmica. Os primeiros entrevistados são os estudantes, nenhum deles faz parte de um movimento organizado, são tratados e respondem como clientes, de um espaço prestador de serviços que lhes prejudicou, porque adiou o tempo da formatura e frustrou suas expectativas. O movimento estudantil em greve, na maioria das universidades públicas em greve de docentes e técnicos, não foi escutado.

As entidades representativas dos estudantes só têm poder de voz quando reiteram o ponto de vista contra a greve? Esse foi o caso do dirigente do Diretório Central dos Estudantes da UnB, que ganhou espaço na tela ao se posicionar contra a greve logo após o deflagramento do movimento. A reação majoritária dos estudantes da UnB, que com mais de 600 estudantes em assembléia decidiram pela greve estudantil não teve o mesmo espaço da posição contrária à greve.

Tratar o espaço público como um espaço de prestação de serviços que atende a interesses privados não é uma forma de reiterar a visão que confere aos interesses pessoais e privados posição majoritária, preponderante em detrimento ao interesse público e a organização coletiva dos segmentos?

Alguns poderiam alegar uma suposta imparcialidade. Afinal de contas, foi mostrada uma marcha do movimento docente grevista, após a imagem do centro de Ciências Humanas da UFPB com as portas trancadas. E o presidente da associação dos docentes da UFPB apareceu por alguns segundos para explicar as bandeiras da greve. Além dele, foram mostradas imagens de goteiras na biblioteca, e imagens de equipamentos de laboratório abaixo de uma pia. O estudante de Design que fala após as imagens alega que a greve o deixa desmotivado com o ensino. Ele não tem pautas próprias, seu segmento não tem autonomia para lutar? Ele aguarda por um problema que, aparentemente, não diz respeito a ele, mas apenas ao salário dos professores.

Reduzir os pontos de pauta da greve à dimensão mais específica e corporativa é uma forma corriqueira de deslegitimar o movimento, afinal, porque apoiar aqueles que lutam apenas pelos seus salários, mas sequer aparecem na universidade em greve e atrapalham os planos dos estudantes que desejam ingressar no mercado de trabalho?

Ao final da reportagem, a repórter informa que o governo acompanha com atenção o movimento da greve, que seus negociadores já elaboraram uma proposta, e que no momento “está procurando” (!) os grevistas para apresentá-la e dar continuidade à negociação. Em momento algum é informado que o governo já marcou e adiou reuniões com a equipe de negociação do movimento em greve, por duas ocasiões, nos dias 05 e 19 de junho. A impressão é que os grevistas estão em suas casas, cuidando de suas vidas pessoais, e que o governo, preocupado com a situação, tem dificuldade até de apresentar suas propostas, pois não encontra os interlocutores do movimento. É informado que 56 universidades federais estão em greve, mas o Comando Nacional de Greve não é entrevistado. A dimensão nacional do movimento é relegada à segundo plano.

A impressão que fica é a de que a greve é desnecessária, desgastante, prejudicial aos estudantes, e que o governo tem sido injustiçado por não ser tratado com o mesmo interesse que tem em negociar com o movimento. A informação de que há uma proposta elaborada tensiona o movimento grevista: o sinal é claro, embora haja problemas, é hora de ter bom senso e negociar saindo da greve.

Mas, cabe ainda uma indagação: por que a UFPB como alvo da força aérea da Globo? Será por conta de sua tradição progressista de promoção de cursos voltados para os segmentos alijados do acesso a educação superior, como os cursos direcionados para a população do campo, por meio das parcerias com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera)? Como o curso de licenciatura em História que recebeu a nota máxima (5) em avaliação realizada em agosto de 2011, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). Cursos como esse e os de Licenciatura em Ciências Agrárias, em Pedagogia, e o curso de especialização em Residência Agrária atendem não apenas a demanda estadual, mas recebem estudantes de mais de quatorze estados brasileiros.

Uma universidade aberta, popular e cosmopolita, que tem entre seus interlocutores os movimentos sociais do campo, os assentados da reforma agrária, em cursos reconhecidos como de excelência, certamente caminha na contra-corrente da tendência liberal que trata a educação como mercadoria.

E, ou será por conta das políticas de cotas que adotam para negros, índios e estudantes egressos do ensino público? Não custa lembrar que um dos principais nomes da direção do telejornalismo da Globo é autor de um livro contra as cotas, defensor da tese de que não somos racistas.

O propósito do texto não é cobrar uma reportagem justa da imprensa privada, antes é apontar que essa é e será a dinâmica de cobertura não apenas dessa greve, mas tem sido a postura reativa, travestida de neutralidade (“afinal, pelo menos falaram da greve”), da imprensa empresarial brasileira. Os interesses privados não são os mesmos da universidade pública, por isso, um vidro quebrado na porta do ministério, como o do ato na frente do MEC no dia 05 de junho é a imagem mais valorizada pela TV privada, a despeito de ser um ato isolado. Não há porque esperar dessas emissoras a investigação da pertinência das bandeiras da greve, da precariedade das condições de trabalho e ensino nas universidades públicas.

As táticas de desmobilização da greve são óbvias: imagens dos campi vazios associadas a reclamações individuais dos estudantes/clientes, cobertura precária dos pontos de pauta do movimento grevista, superexposição de qualquer ação violenta e isolada que possa surgir em manifestações, falta de crítica aos argumentos governistas, etc.

Contra isso é necessário aumentar a participação da comunidade acadêmica nas ações da greve, massificar os atos, e buscar meios legítimos de comunicação com a sociedade, por meio do contato direto da greve com as escolas de ensino médio, com os demais segmentos organizados da sociedade civil, com os movimentos sociais. A orientação para que a campanha de mídia da greve nacional priorize as TVs e rádios públicas e comunitárias foi preponderante, em detrimento da posição que defendia o pagamento de anúncios caríssimos em horários nobres do comercial televisivo e em páginas de jornais impresso da mídia privada. Sinal de coerência: a luta pela educação pública superior de qualidade não deve estar dissociada da luta pela democratização dos meios de comunicação.

 

[1] Integrante do Comando Local de Greve do segmento docente da UnB. Correio eletrônico: rafaelvb@unb.br