O terceiro número do boletim Em Tempo, organizado pela ADUFPB, começa a circular nas redes sociais nesta segunda-feira (5/7). Desta vez, o texto é de autoria da professora do Departamento de História da UFPB, Rosa Maria Godoy Silveira, que faz críticas ao silêncio que parte da classe docente adotou em relação ao governo Bolsonaro apesar dos ataques constantes do presidente às políticas de saúde, à democracia, aos direitos humanos, à educação pública e aos direitos dos trabalhadores.
“Muitos outros – e avalio que seja a maioria – têm se omitido. Permanecem no mais absoluto silêncio, no seu olímpico individualismo, ‘esquecendo-se’ de sua função social e de que são mantidos pelos recursos públicos”, destaca a professora. Ela lembra que há quem prefira “navegar nas águas pretensamente mansas da corrente triunfante, sob as mais diversas expectativas e interesses, nem sempre edificantes”.
Mas essa escolha tem um preço muito alto para quem a abraça. “Quem considera que está a salvo (porque silencia ou porque se alia a poderes espúrios) e continua achando, negacionisticamente, que a Terra é imóvel (leia Galileu) ou é plana (outro negacionismo atual), poderia começar a entender, a partir da sua própria vida pessoal, que a História é Tempo, Tempo Social em movimento. Portanto, é a Vida”, sentencia Rosa Godoy.
A terceira edição do boletim “Em Tempo” começa a circular nesta segunda-feira nas redes sociais do sindicato e está disponibilizada no nosso site.
Leia abaixo o texto na íntegra ou clique aqui para fazer o download em formato PDF.
Em Tempo. Ou um tempo atrasado? Ainda há tempo?
Rosa Maria Godoy Silveira
Uma questão avassaladora em meio a esta pandemia é o silêncio de muitos professores universitários diante da situação do país – e, mais especificamente, das Políticas de Saúde (ou da falta de) do atual governo. Ressalve-se que todas as pessoas se recolheram aos seus espaços privados para cuidar de suas famílias e delas próprias. Muitas delas, para além do já dito, tiveram de cuidar dos seus mortos, que já somam mais de 520 milbrasileiros.
No entanto, boa parte teve– ou poderia ter tido – tempo para refletir sobre os acontecimentos que nos castigamdurantenos últimos 18 meses. Algunsprofessores o fizeram, e ainda o fazem, socializando suas reflexões e ações por meio das redes sociais, que acompanho religiosa e diariamente, em especial no que se refere à UFPB.
Muitos outros – e avalio que seja a maioria – têm se omitido.Permanecemno mais absoluto silêncio, no seu olímpico individualismo, “esquecendo-se” de sua função social e de que são mantidos pelos recursos públicos, sejam os que ainda estão na ativa, sejam os que já cumpriramo seu tempo de trabalho (recuso-me ao uso da palavra inativo,pelo acinte que representa para aqueles que se dedicaram arduamente ao seu exercício profissional e que ainda seguem na batalha, mesmo formalmente aposentados).
A questão da ausência dos professores universitários na cena pública do país é temporalmente mais ampla do que a atual conjuntura.Muitos abandonaram o barco quando a dita “pós-modernidade”globalista (olá, Boaventura Santos) impôs sua hegemonia, acomodando-se ao sistema e a certas facilidades imediatistas. Perderam seu espírito crítico, que constitui, por excelência, o cerne do significado de UNIVERSIDADE.
Houvequem preferiu – e ainda prefira – navegar nas águas pretensamente mansas da corrente triunfante, sob as mais diversas expectativas e interesses, nem sempre edificantes. Não é nada construtivo, por exemplo, quando – seja por elitismo, individualismo, carreirismooupreconceitos de toda ordem – apoiamgovernantes cujo plano é conduzir o país a uma nova ditadura, para isso se valendo de todos os meios possíveis,sendo o genocídio o mais extremo deles.
Esse processo vem ocorrendo com maior visibilidade há um bom tempo, entretrês ecinco décadas. Eis, agora, que tal processo se precipita de maneira inusitada.
A pandemia acelera o tempo histórico e põe em ebulição, como um solo que se abre e expõe as suas camadas subterrâneas, os horrores de uma sociedade multisecularmente desigual, de exploração de seres humanos por “seres humanos”. Que há muito ali estivera e nunca deixara de estar. E que, apesar de estarmos enfrentando um desafio global – não só de determinados grupos ou classes sociais ou países –, um desafio sobre a nossa própria Humanidade, ainda assim, ou exatamente por isso, expõe as suas podres vísceras de ódio, preconceitos, supremacismos, etnocentrismos, reiterações de uma dita humanidade que não aprendeu o que é,efetivamente,Humanidade.
E os professores universitários, onde estão diante de todo este vórtice?
Chamá-los de intelectuais? De doutores? O que fazem do seu conhecimento? Aliás,que conhecimento é esse? Serve apenas para a sua titulação, para o seu carreirismo, para exercer carguinhos de submissão a ditadores de plantão?
A pandemia nos ensina outra lição. Dolorida, especialmente, para quem é das ditas Ciências Humanas – outra nomenclatura absolutamente inadequada, pois que todas as ciências, artes, literaturas, tecnologias, enfim, são humanas.
Nesta pandemia, os profissionais da Saúde, em toda a sua abrangência, instados por comprometimento social ou pelas circunstâncias da conjuntura, estão dando um “banho” nas demais áreas do conhecimento. Mais “lavada” do que o 7 x1 que levamos da Alemanha. E por quê? Se todos nós, professores universitários de todas as áreas do conhecimento, tratamos da vida – da vida humana –, o pessoal da Saúde (e estou dizendo o óbvio) trata da vida mais premente, da vida imediata, da vida urgente.
Professores universitários – usei o plural genérico masculino, mas estou falando aos Senhores e Senhoras.
Doce ilusão daqueles que se agarram aos governos de plantão achando que vão se dar bem no Paraíso terreno, aferrando-se ao não movimento, ao tempo que se conserva estático, que é a visão do poder. Leiam Göethe e o pacto com o diabo. Doce ilusãodaqueles que acham que sua omissão ou silêncio,também o não-movimento,vai levá-los ao Paraíso (talvez extraterreno?).O vórtice está nos enredando a todos. AGORA.
Se me está sendo doída – mas gratificante – a lição que tenho aprendido com o pessoal da Saúde, a cada dia, no entanto, reitero a minha profissão de ofício: a História. E ela é implacável.Como a turma das redes sociais coloca: a vida não dá volta, dá cambalhota. Quem considera que está a salvo (porque silencia ou porque se alia a poderes espúrios) econtinua achando, negacionisticamente, que a Terra é imóvel (leia Galileu) ou é plana (outro negacionismoatual), poderia começar a entender, a partir da sua própria vida pessoal, que a História é Tempo, Tempo Social em movimento. Portanto, é a Vida.
Fonte: Ascom ADUFPB