Qual o papel de uma biblioteca num país onde as políticas educacionais, científicas e culturais são historicamente insuficientes, inconstantes e periodicamente interrompidas? E para que serviria uma biblioteca física, com corredores abarrotados de livros e mesas para a comunidade acadêmica estudar e pesquisar, em tempos nos quais os artigos disponíveis na internet nos permitem acessar publicações do mundo todo? Creio que, se considerarmos essas perguntas pela perspectiva das pessoas que ocupam, de maneira ilegítima, a reitoria da UFPB, não deveria haver um projeto de qualidade, ou mesmo horizontes de futuro, para tais lugares — a julgar pelo que fizeram com o maior dos nossos patrimônios nessa área: a Biblioteca Central (BC).
Para algumas pessoas, pode ser anacrônico usar um espaço assim, mas devo ser dos que ainda enxergam a relevância de se ter uma boa biblioteca. Penso nela como um local não apenas para fins acadêmicos, mas também como um ambiente que oportuniza a integração entre as pessoas e a constituição de uma vida efetiva para a comunidade universitária. Quando estudante de graduação na nossa UFPB, na década de 1990, a BC foi um dos lugares em que mais pude interagir com pessoas das diferentes áreas, por meio de indicações de leituras e compartilhamento de ideias. Os espaços na fila para empréstimo de livros ou os minutos de descanso após o almoço, antes de retomar os estudos, foram preenchidos por encontros riquíssimos. Na BC (e diria, também, de maneira mais abrangente, no Centro de Vivência), minha geração de universitárias e universitários pôde se ver e se perceber compondo uma instituição potente e diversa, rica na sua multiplicidade.
Por ter essa construção em mim, nesses mais de 16 anos como docente da UFPB, frequentei a BC e percebi o seu esvaziamento, algo que ocorreu por termos uma biblioteca que não atualizou os seus significados — e, com isso, não reorganizou a sua estrutura, para que continuasse a ser atrativa. Até que, nos últimos anos, a Biblioteca Central ficou fechada, com a justificativa de que estava sendo reformada. Há poucos dias, foi reaberta.
Segundo a reitoria1, a reforma do prédio teria sido iniciada em 2021, com reabertura no dia 15 de março deste ano. Nesse período, teriam sido investidos R$ 5 milhões, para, entre outras finalidades, “trocar as instalações elétricas e de internet”, “ajustes nas instalações hidrossanitárias” e para colocação de um “novo forro de material termoacústico, o que garante isolamento térmico e maior conforto acústico ao ambiente” 2.
Mesmo eu não tendo qualquer admiração pelo que foi realizado nos anos do atual reitorado, sendo uma das pessoas que estavam, desde o primeiro momento — e ao longo desses anos —, na luta contra a intervenção de Bolsonaro em nossa universidade, tomei esta como uma boa notícia. Assim, exatamente uma semana depois dessa reabertura, eu me vi feliz por retornar a esse ambiente, ainda que numa primeira visita rápida, com a finalidade de estudar um pouco e, principalmente, ver como a BC ficou depois de tais investimentos.
Não posso falar de eventuais melhorias que tenham sido realizadas nas partes estruturais, em termos de fundação das paredes e dos elementos internos e cabeamentos, pois me faltam qualificação e informações para tal análise. Porém, enquanto ambiência, pensando como usuário, para além de uma demão de tinta nas paredes, minha impressão é que não mudou nada para melhor. As mesas e cadeiras (sem exagero) são exatamente as mesmas da época em que eu era estudante de graduação, e, como não investiram em novo mobiliário, reduziram a quantidade de mesas disponíveis e deixaram grandes vãos abertos, sem lugares para as pessoas se acomodarem.
Nem mesmo reparos simples foram realizados, como vazamento num dos vasos sanitários do banheiro e mesa quebrada remendada com fita crepe… Para não falar em melhorias substanciais que seriam necessárias: a BC não foi climatizada e a temperatura está escaldante; não foi disponibilizada uma internet de qualidade (sequer consegui conectar a UFPB Virtual para trabalhar); a rede elétrica não foi ampliada, no sentido de disponibilizar mais tomadas para as pessoas conectarem seus cabos de computador e outros aparelhos eletrônicos; e a acústica continua sendo invadida pelo som ambiente (cada veículo que passa na rua parece transitar entre as estantes da BC). E por aí vai.
E quase não acreditei quando me dei conta das cores diferentes nas duas escadarias. Na nossa BC, para quem não lembra ou não conhece (creio que mais da metade do corpo discente nunca teve chance de entrar aqui, pelo longo tempo de “reforma”), os banheiros masculinos e femininos ficam em lados opostos, no patamar ao final de cada lance de escada. Achei muito estranho que as paredes da escadaria e das laterais dos banheiros do lado masculino estejam pintadas de azul, enquanto as do lado feminino têm um tom de rosa. Sendo o atual reitorado alinhado ao bolsonarismo, o que me veio à mente é que as cores usadas na reforma podem ter sido decididas pela Damares Alves (ex-ministra do “meninos usam azul, meninas, rosa”), ou ao menos, se não decididas por ela, teriam sido a ela dedicadas.
Por fim, e talvez o mais importante, o acervo continua, em grande medida, muito antigo e com incontáveis livros em estado de conservação degradado. Que a próxima Reitoria (com R maiúsculo, pela primeira vez no texto, na esperança de que Lula nomeará a candidatura eleita, e não a que teve zero voto), que elegeremos em breve e tomará posse em novembro de 2024, possa efetivamente desenvolver um projeto de Bibliotecas Universitárias. Que não apenas reposicione nossa tão combalida BC, mas que também as bibliotecas setoriais tenham os investimentos necessários. Para que os espaços de estudo e pesquisa sejam também lugares em que a comunidade universitária volte a se orgulhar de se ver e a se constituir na multiplicidade que nos enriquece.
Prof. Dr. Luciano Bezerra Gomes
Departamento de Promoção da Saúde do Centro de Ciências Médicas da UFPB
- Matéria no site da UFPB intitulada “Após reforma, prédio da Biblioteca Central é reaberto a toda a comunidade.” Disponível em: <https://www.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/apos-reforma-predio-da-biblioteca-central-e-reaberto-a-toda-a-comunidade>
- Matéria no site da UFPB intitulada “UFPB reabre prédio da Biblioteca Central, em João Pessoa, nesta sexta-feira (15)”. Disponível em: <https://www.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/ufpb-reabre-predio-da-biblioteca-central-em-joao-pessoa-nesta-sexta-feira-15>