O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem se especializado em fazer afirmações desrespeitosas, irresponsáveis e mentirosas. Nada muito diferente do modus operandi daquele que ocupa a cadeira da Presidência da República. As notícias que circulam na grande mídia do país, que tratam sobre os comentários do ministro Weintraub sobre salários, carga horária e quantidade de professores nas universidades, em palestra no 21º Fórum de Ensino Superior (Fnesp), realizado em São Paulo nesta semana, estão repletas de informações falsas.
Salta aos olhos os absurdos propagados pelo ministro responsável pela pasta da Educação, particularmente a respeito dos(as) docentes das universidades federais do país, pois o titular do MEC aposta na desinformação da sociedade e mesmo na da grande mídia. O Painel Estatístico de Pessoal, acessível pelo site do Ministério da Economia, oferecem os dados necessários para desmentir o Sr. Weintraub.
As informações acerca dos valores de salários e da jornada de trabalho de docentes nas universidades federais certamente exigem um trabalho de investigação e análise que demanda maior tempo e cuidado, condições essas que não reúno no momento que escrevo a presente nota.
No entanto, quanto a esses aspectos, farei algumas observações que me parecem fundamentais. A primeira se refere a um debate importante que frequentemente tem sido ignorado quando se analisa as questões relacionadas aos servidores públicos. Refiro-me a tentativa de impor como verdade absoluta a ideia de que há no Brasil uma quantidade absurda de funcionários públicos e que estes custam muito aos cofres públicos e ameaçam o equilíbrio fiscal do Estado.
Isso não se sustenta quando se considera as dimensões continentais do território nacional, sua população e as necessidades sociais da sociedade brasileira, que exigem a presença do Estado e, portanto, de seus trabalhadores (servidores públicos).
Neste aspecto, cabe ainda ressaltar que, do total gasto com pessoal do executivo federal em 2018, dos R$ 247,56 bilhões, R$ 177,509 bi foram pagos aos servidores federais civis (ativos, aposentados e pensionistas), enquanto os militares (ativos, reserva e pensionistas) consumiram R$ 70,049 bi. Do montante dos gastos com pessoal do poder executivo, 61,22% (R$ 108,664 bi) refere-se a pagamentos dos servidores civis da ativa. Nestes valores há vários elementos de despesas que vão desde salários (79,21%) a pagamentos de obrigações patronais (16,30%), passando também por pagamentos de sentenças judiciais.
Neste caso, considerando o orçamento da União de R$ 3,2 trilhões (2018) a despesa com servidores do Executivo Civil e Militar (ativos, aposentados e pensionistas) é inferior a 10% de todo orçamento da União. Cabe lembrar que estes valores representam o investimento com o pagamento da força de trabalho empregada no Executivo do Estado brasileiro, ou seja, aqueles que estão nos incontáveis espaços de atuação e que cobrem todo território nacional.
Somados os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, acrescido com o Ministério Público da União, o gasto anual com pessoal alcançou, em 2018, R$ 304,607 bi, incluídos ativos, aposentados e pensionistas. Portanto, a tese de que o Estado brasileiro gasta excessivamente com pessoal não se sustenta sob hipótese alguma.
Atualmente, o país possui 1.276.499 servidores (ativos, aposentados e pensionistas). Destes, 617.436 são servidores da ativa. No Ministério da Educação existem pouco mais 300 mil servidores da ativa, divididos em várias carreiras, e não apenas docentes nas universidades. Portanto, de imediato fica atestado que o ministro da Educação mentiu, e não é a primeira vez, ao falar da existência de 300 mil docentes nas universidades federais.
Mas qual é o verdadeiro número de docentes federais do país? Talvez essa seja a pergunta que muitos fazem e a grande mídia não se deu conta de procurar antes de realçar as mentiras do ministro do MEC. Informações estas que estão disponíveis para qualquer cidadão, a qual traduzo de forma clara para desmentir de vez o chefe da pasta da Educação.
Atualmente, de acordo com os dados da folha de pagamento de agosto de 2019, existem em números reais 142.999 docentes, servidores da carreira de magistério. Desse total, 86.005 servidores fazem parte da Carreira do Magistério Superior, enquanto 43.777 funcionários pertencem à Carreira de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Existem ainda 93 servidores da Carreira de Professor Titular-Livre do Magistério Superior. Concretamente, o MEC tem 129.875 docentes efetivos, contratados pelo Regime Jurídico Único. Ainda no quadro de servidores do magistério, somam-se 13.094 professores com contratos temporários e outros 30 professores pertencentes ao PUCRCE, antiga carreira docente, e dos ex-territórios.
O total de pessoal da carreira docente aumenta quando são considerados ativos e aposentados, mas, mesmo assim, não chega a quantidade apresentada no discurso falacioso do ministro Abraham Weintraub, pois essa soma atinge 200.778 docentes ativos e aposentados, com vínculos efetivo e temporário.
Outro elemento que não pode deixar de ser considerado, quando analisamos os dados sobre pessoal docente das carreiras de Magistério Superior (MS) e Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), é que estes estão lotados nas Instituições Federais de Ensino – Ifes, que compreendem as Universidades, Institutos Federais Técnico e Tecnológicos, Colégio Pedro II e Instituto Benjamin Constant. A maioria absoluta dos servidores da carreira do magistério superior está lotada nas Universidades e, por sua vez, a maioria da carreira de EBTT está nos Institutos. Contudo, cabe ressaltar ainda que, nas universidades, existem docentes da carreira de EBTT desempenhando suas atividades nas escolas de aplicação, escolas técnicas e escolas de ensino básico.
Jornada de trabalho docente
O sr. Ministro Abraham Weintraub afirmou ainda que os docentes nas universidades públicas trabalham apenas oito horas por semana, em sala de aula, e recebem em média entre 15 a 20 mil reais de salário. Qual a verdade escondida no discurso irresponsável do ministro da Educação?
Esse é um debate importantíssimo, pois remete ao significado da carreira docente e das Universidades. A primeira questão que me parece relevante ser recuperada é como estão organizadas as Universidades, pois a própria definição constitucional, e a vida prática no interior destas instituições, já atestam que estes espaços não se restringem apenas às salas de aula.
Neste sentido, cito o texto constitucional em seu artigo 207, que estabelece que, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Portanto, tal princípio constitucional já oferece o amparo legal para que os encargos docentes não se limitem às atividades de ensino, devendo incluir a pesquisa e a extensão.
Outro equívoco presente nas declarações do ministro Abraham Weintraub, na palestra do 21º Fórum de Ensino Superior, está expresso numa concepção restrita da prática do ensino na exata medida que o limita às aulas. O processo de ensino-aprendizagem extrapola o ambiente das salas de aula, o que suponho deveria ser de conhecimento de um ministro de tão importante pasta do Executivo.
Retomando a questão da jornada de trabalho da categoria docente, importa destacar que as declarações do ministro Weintraub revelam a visão empobrecida do significado das Universidades e uma concepção que menospreza a produção do conhecimento resultado das atividades de ensino, pesquisa e extensão realizadas nas Ifes de todo o país. As atividades desenvolvidas por docentes, técnico-administrativos e estudantes nas universidades públicas do país são responsáveis hoje por mais de 90% de toda a produção de ciência e tecnologia do Brasil. Isso só é possível com investimentos públicos (custeio e capital) e com pessoal qualificado e, por conseguinte, bem remunerado.
Regime de trabalho docente
O regime de trabalho dos servidores da carreira docente obedece absolutamente a todas as regras previstas nas legislações atinentes a essa questão, das quais estão previstas nas Leis 8.112 de 11 de Dezembro de 1990 (RJU) e 12.772, de 28 de dezembro de 2012 (Lei da Carreira do Docente Federal). Outrossim, possuem regras que variam de acordo com a Instituição Federal de Ensino, considerando que as Universidades gozam de autonomia e, portanto, dentro destes limites estabelecem, através de resoluções internas, critérios que disciplinam os encargos docentes.
Nesse sentido, a categoria desenvolve suas atividades considerando o regime de trabalho que esteja vinculado a partir de definições legais, que compreendem os encargos docentes, divididos em atribuições de ensino, pesquisa e extensão.
Mas, em geral, o que compreendem os encargos docentes nas Ifes?
Abaixo listei alguns dos inúmeros encargos docentes que expressam parte das atividades desempenhadas por professores(as):
- Ensino na graduação e na pós-graduação;
- Ensino nos cursos técnicos;
- Ensino em cursos de extensão e aperfeiçoamento;
- Orientação de estudantes de nível técnico, de graduação e de pós-graduação e projetos institucionais e financiados por órgãos de fomento, públicos ou privados;
- Participação em bancas examinadoras de conclusão de cursos (graduação, especialização, mestrado e doutorado) ou de concurso público;
- Produção bibliográfica, técnica, artística, cultural e inovação;
- Atividades de pesquisa e de extensão;
- Exercício de funções de direção, chefia, coordenação, assessoramento e assistência na própria IFE ou em órgãos públicos;
- Representação, compreendendo a participação em órgãos colegiados na IFE ou em órgãos públicos, conselhos e associações profissionais, ou outro relacionado à área de atuação do docente, na condição de indicado ou eleito.
Nesse sentido, a definição das atividades de ensino de cada docente depende do regime de trabalho – 20 horas ou 40 horas (com ou sem dedicação exclusiva) – e do conjunto de encargos docentes pactuados nas instituições. Tais encargos são realizados em ambientes internos (salas, laboratórios, bibliotecas, ambientes de professores, quadras, salas de concertos, etc.) e externos (locais de estágio, visitas monitoradas, etc.) às universidades e institutos federais, pois existem atividades que ocorrem fora dos muros das instituições de ensino.
Por fim, a falácia sobre os salários da categoria docente. Segundo o ministro Weintraub, jogando para a plateia e para a grande imprensa, o salário dos professores e professoras está na média de R$ 15 mil e R$ 20 mil. Primeira observação a ser feita é que as condições de ingresso na carreira docente estão vinculadas ao investimento de anos de estudos que compreendem, geralmente, além dos anos dedicados à graduação, em média, no mínimo mais dois anos de mestrado e quatro anos de doutorado. Outro importante elemento é que o salário inicial na carreira docente é atualmente de R$ 4.472,64 (40 horas, Dedicação Exclusiva, com graduação) e teto salarial de R$ 20.530,01 (40 horas, Dedicação Exclusiva, com doutorado).
Não sabemos com quais dados o sr. Ministro Abraham Weintraub teve acesso para chegar as conclusões veiculadas na grande mídia, mas tudo indica que se trata de mais uma declaração irresponsável. Os dados disponíveis no Painel Estatístico de Pessoal, quando analisados, indicam que 60,85% dos servidores da carreira docente são doutores, 28,16% possuem mestrado e 6,53% têm título de especialista. Do universo de doutores, 80,78% estão no magistério superior e 16, 24% no EBTT. Embora não estejam disponíveis os dados sobre as médias salariais no sistema do Ministério da Economia, é possível estimar que as informações oferecidas pelo Sr. Abraham Weintraub estão, possivelmente, supervalorizadas.
De longe essa é a questão mais importante neste debate, pois como ficou demonstrado, a carreira docente federal no país não está entre as mais valorizadas, quando comparados com outras carreiras do Executivo. Para ilustrar nossa assertiva, basta observar que o teto da carreira docente está bem abaixo do teto do Executivo que, atualmente, ultrapassa pouco mais de R$ 30 mil. E nunca é demasiado destacar que não há profissão de nível superior que não tenha antes passado por inúmeros professores, incluindo os de educação básica, fundamental e médio. O Brasil precisa para se desenvolver e garantir a soberania nacional valorizar os professores e professoras de todo o país.
Marcelo Sitcovsky
Prof. Dr. do Departamento de Serviço Social da UFPB
Diretor da ADUFPB
João Pessoa, PB.
27 de setembro de 2019