Os ataques da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) à autonomia universitária e aos serviços prestados nos Hospitais Universitários (HU) federais do país foram denunciados em encontro realizado pela Fasubra no dia 7 de julho, na Universidade de Brasília (UnB). O Seminário Nacional dos Hospitais Universitários, com o tema “Qual será o papel do ensino, da pesquisa e da extensão nos HU’s?”, reuniu cerca de 140 trabalhadores e trabalhadoras de 47 HUs de todo o país, que apresentaram relatos sobre o cotidiano e dificuldades enfrentadas após a criação da empresa.
Jacqueline Lima, 1ª vice-presidente da Regional Planalto do ANDES-SN, participou da mesa de debate junto com a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi, ex-superintendente da Ebserh no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes da Universidade Federal de Alagoas (HUPAA/UFAL), e com a deputada federal Érika Kokay (PT/DF), que representou o Grupo de Trabalho em defesa dos Hospitais Universitários da Câmara dos Deputados.
Durante as falas, foi ressaltado diversas vezes que além de não ter apresentado melhorias, a Ebserh aprofundou a precarização dos serviços públicos, promoveu o desmonte de uma série de atendimentos prestados à comunidade, e segue atacando a autonomia universitária, interferindo no tripé ensino – pesquisa – extensão, evidenciando, com isso, seu real propósito: a privatização e mercantilização da saúde pública.
Gestão nos hospitais universitários
Maria de Fátima Siliansky apresentou uma análise histórica dos hospitais universitários e destacou aspectos que dificultaram a luta contra a instituição da Ebserh. “Haviam dois problemas anteriores, o subfinanciamento e o sucateamento, as pessoas achavam que a Ebserh seria uma solução, porque o governo a apresentava como tal”, explicou.
A autonomia universitária, prevista na Constituição brasileira de 1988, foi um instrumento da burguesia, desde o século XIII, para que a produção do conhecimento não fosse controlada pela Igreja e pelo Estado, afirmou Fátima. “Com o processo de instituição da Ebserh, o hospital universitário é tirado da universidade, assim o Estado passa a controlar a produção do conhecimento, sem passar pelo crivo da universidade”, ressaltou, destacando que sob controle do Estado, a produção do conhecimento pode ser inclusive privatizada.
De acordo com a docente da UFRJ, houve um distanciamento dos hospitais das universidades, assim como dos docentes, que antes acompanhavam a assistência. “Isso atrapalha a integração do ensino, da pesquisa e extensão dentro dos hospitais universitários. Os estudantes aprendem fazendo, o que faz na assistência tem que estar muito integrado ao ensino, não tem outra forma”, disse, ressaltando que, especialmente na área da saúde, a assistência e ensino são indissociáveis.
Mercantilização da saúde
Jacqueline Lima, professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (UFG) e representante do ANDES-SN, afirmou que os hospitais universitários fazem parte de um plano maior de mercantilização da saúde no país. Para a diretora do Sindicato Nacional, a sanção da Emenda Constitucional nº 95/16, que ‘congela’ os investimentos em políticas públicas, pode levar o Brasil a uma carnificina, caso não seja revista a proposta de austeridade e de cortes no orçamento destinado aos direitos sociais, entre eles saúde e educação, nos próximos 20 anos. “Em países da Europa que realizaram cortes na saúde pública, há pesquisas que apontam aumento de contaminação do HIV em 200%, aumento da taxa de suicídio em 60%, redução da expectativa de vida”, relatou.
A professora destacou a responsabilidade dos profissionais da saúde diante dos ataques à saúde, educação e aos demais serviços públicos. “Devemos fazer um resgate da autonomia universitária e da Constituição Federal, garantir a saúde como direito. O problema é que, quando transformamos a gestão pública de um hospital em privada, significa que estamos trocando o direito à saúde, transformando esse direito em mercadoria”, ressaltou.
Jacqueline lembrou o momento em que a Ebserh foi criada e com qual propósito. “Precisamos ter muito cuidado com nossa memória, pois não podemos esquecer que nós fomos golpeados no dia 31 de dezembro de 2010, quando, então o presidente da República, no seu último dia de mandato, editou a MP [520], que criou a Ebserh, deixando bem claro que o SUS tinha sido negociado no processo eleitoral da Dilma Rousseff. Isso é inaceitável. Não podemos esquecer quem construiu a Ebserh e com qual propósito. A saúde pública sempre esteve sobre ataque, porque a doença dá dinheiro e mobiliza o PIB. Existe uma disputa pela saúde enquanto mercadoria”, denunciou.
A diretora do ANDES-SN apresentou ainda exemplos da precarização das condições de trabalho e infraestrutura e interferência da Ebserh na autonomia universitária. Segundo ela, a lavandaria do Hospital Universitário da UFG foi fechada e o serviço terceirizado para uma empresa situada em Brasília (DF), a 200 quilômetros de distância do HU. Outra grande queixa mencionada pela docente é em relação aos insumos hospitalares de péssima qualidade. “As luvas de procedimentos, por exemplo, são de baixa qualidade e temos que três a quatro luvas em cada mão, porque rasga com facilidade. Materiais para fazer punção, que precisam ter qualidade, porque senão causam incômodo para o paciente, pois temos que furar o paciente mais vezes também são de péssima qualidade. Em relação ao material médico hospitalar e medicamentos, além de serem ruins, muitos estão em falta”, relatou.
“Na UFG, por exemplo, as mulheres em tratamento de câncer de mama ficaram aproximadamente seis meses sem quimioterápico, que é um medicamento que deve ser utilizado a cada 21 dias. São situações que denunciamos, porém a universidade e o conselho universitário tentam minimizar ou fechar os olhos a essas situações”, acrescentou.
Outro problema denunciado por Jacqueline em relação à Ebserh foi o fechamento de serviços de alto custo e pouco retorno financeiro, como atendimentos ambulatoriais por equipes multidisciplinares e o tratamento de doenças negligenciadas, que acometem populações vulneráveis ou mais pobres, como anemia falciforme, que predomina na população negra. “Com o fechamento dos serviços ambulatoriais, nós vamos perder os óbitos da Ebserh. A partir do momento que você expulsa do hospital aquelas pessoas que estavam recebendo tratamento há 10, 15 anos, esses pacientes vão para a rede [pública], e sabemos que vão receber tratamento precário, se e quando conseguirem. Muitas delas vão a óbito ou vão piorar o quadro e nós não teremos as estatísticas dos óbitos causados pelo modelo de gestão da Ebserh. E isso é importante refletirmos”, apontou a docente.
A diretora do ANDES-SN encerrou sua participação afirmando que o Sindicato Nacional sempre esteve na luta em defesa da saúde pública e contra a Ebserh, desde a edição da Medida Provisória 520 – em 31 de dezembro de 2010 – e a sanção da lei que criou a empresa, no final de 2011, bem como participando ativamente da luta interna nas universidades, através das seções sindicais, para barrar a adesão das instituições à empresa. “Hoje, estamos na luta pela revogação dos contratos, que não estão sendo cumpridos e pela anulação da lei que criou a Ebserh, que é inconstitucional, além de ser um grande retrocesso para nosso país e para a saúde pública”, completou.
Após os debates, os trabalhadores dos HU se reuniram em grupos de trabalho e elaboraram um documento que foi apresentado na Plenária da Fasubra, realizada nos dias 8 e 9 (sábado e domingo).
*com informações da Fasubra
Fonte: ANDES-SN