O tema do aumento do Judiciário (de 16%, já aprovado pelo Senado) é recorrente, centrando-se o debate, invariavelmente, sobre a sua oportunidade e justeza.
Os magistrados, imbuídos do mais arraigado corporativismo, se comportam sempre como ativistas sindicais exemplares quando se trata de pressionar os Poderes de Estado para os aumentos do que a categoria se considera merecedora.
Desta feita, não acusaram os críticos de atingir a honra da categoria e a autonomia da magistratura. Contudo, não se pejam de justificá-lo com o argumento de que não se trata de aumento, mais de atualização do nível salarial, defasado pela ausência de reajustes no passado, o que acarretou perda do seu poder aquisitivo.
Para a postura mais contida da magistratura contribuiu, certamente, a posição da ministra Carmem Lúcia, manifestada quando Presidente do STF. Carmen mostrou que os treze milhões de desempregados no país reagiriam com indignação à injusta pretensão.
Acusar os críticos, seria, portanto, acusar a própria chefe do Poder Judiciário!
Juízes e procuradores desprezam a verdade inconteste de que o aumento beneficia apenas categorias que se situam no topo da pirâmide salarial, nada restando para os demais servidores, privados de reajustes, mesmo os de mais baixa renda.
Não consideram o clamor da opinião pública (alguns só querem ouvi-la para condicionar suas sentenças a motivações políticas inconfessáveis), desconhecendo os princípios da justiça distributiva e a chocante desigualdade salarial e de renda existente no país.
Abaixo-assinado, organizado às vésperas da aprovação do aumento para os juízes pelo Senado, em apenas um dia, obteve quase um milhão de assinaturas. Não é à toa que o capitão reformado disse que, dependendo dele, vetaria o aumento.
No que se refere à “classe política”, quase todos os senadores do PSDB e do chamado “Centrão” votaram a favor do reajuste dos magistrados. Esse único gesto demonstrou que não compreenderam as razões do tsunami eleitoral que os atingiu.
Mesmo as esquerdas racharam. Ademais, o número de senadores que se abstiveram foi maior do que o dos senadores que votaram contra. E, entre os votantes a favor a ampla maioria é composta de mandatários investigados ou réus em processo criminal.
Seria coincidência ou desejo de agradar, com seus votos, o todo-poderoso Judiciário?
No âmbito da sociedade, a mídia escrita e televisiva não deixou de ecoar a insatisfação da opinião pública com o fosso existente entre os privilegiados juízes e promotores e demais servidores públicos, expondo aos olhos da sociedade que sua remuneração (48.500 reais) ultrapassa o teto do serviço público.
Mesmo considerando apenas os vencimentos oficiais dos ministros do STF, eles percebem 39.300 reais: 17.5 vezes mais do que a renda do trabalho médio no país. Para a Suprema Corte dos EUA, a proporção é de 4.5!
Nesse contexto, é interessante observar o pouco interesse dos sindicatos de trabalhadores pela questão. Pretenderiam valer-se dessa concessão de aumento aos magistrados para justificar a mobilização de suas respectivas categorias profissionais em prol de reajuste generalizado no setor público?
Se for o caso, parece-nos pouco eficaz a estratégia, pois tão elevada recomposição salarial compromete a disponibilidade orçamentária para as demais carreiras do serviço público.
Impõe-se denunciar esse aumento isolado também porque a ampliação do fosso entre a remuneração da magistratura e dos demais servidores afronta o princípio da justiça distributiva, a exigir que se conceda reajuste de salários linear a todas as categorias, comportando tratamento específico apenas aquelas com salários especialmente defasados.
FONTE: Rubens Pinto Lyra
Doutor em Ciência Política
Professor Emérito da UFPB