Jornal Nacional (Globo) utiliza pesquisa do Instituto Millenium que manipula dados para atacar servidores e justificar Reforma Administrativa. Enquanto no setor privado a dramática situação de demissão ou redução drástica dos salários em meio à pandemia não recebe nenhuma denúncia. Não podemos aceitar! Leia nota de repúdio e análise dos dados pela Adunifesp.
O Jornal Nacional – JN (Rede Globo) fez mais uma vez raivosos ataques contra o funcionalismo e os serviços públicos. Em reportagem enganosa e panfletária do dia 10/08 afirmou que “o governo gastou com salário de servidores públicos federais, estaduais e municipais três vezes mais do que com a saúde”, custando ao todo (nas três esferas e nos três poderes) R$ 928 bilhões (cerca de 13 % do PIB) em 2019, usando como base de suas informações estudo do Instituto Millenium. Instituto privatista, fundado com a participação ativa de Paulo Guedes, que representa os interesses exclusivos da classe dominante, bilionários, donos de bancos e de empresas que vendem saúde e educação como se fossem mercadorias.
Seria útil, contudo, informar ao público da Globo que é mentira que o país tenha excesso de servidores públicos. Em 2018, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), desmentiu a imprensa hegemônica assim como aos políticos e empresários neoliberais com base em dados oficiais do governo brasileiro, e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [1]. Especialistas do DIEESE comentaram que levantamento recente do próprio Ministério do Planejamento do governo Temer em 2018 tinha mostrado que 30% do funcionalismo recebe até R$ 5,5 mil por mês, sendo que, nesta faixa, os vencimentos menores se situam abaixo de R$ 1,4 mil. Apenas 18% ganham de R$ 9,5 mil a R$ 12, 5 mil [1]. Esses dados são em média similares àos praticados no setor privado, especialmente quando comparado com os salários dos funcionários públicos municipais, que são o maior contingente do funcionalismo público no pais [2]. Adicionalmente, dados da OCDE mostram que o funcionalismo representa cerca de 12% do total de trabalhadores no Brasil, enquanto chegam a ser entre 20% e 30% nos países europeus. Nos EUA, Japão e Canadá representam entre 14% e 16% [1]. Tampouco é verdade que o setor público e a carga tributária seriam “demasiado grande” no Brasil. Ela representa cerca de 33% do PIB – o que é igual à média dos países da OCDE [1]. Ademais, em qualquer país, o grosso dos gastos do setor publico é direcionado à folha de pagamentos ao funcionalismo. E não poderia ser de outra forma já que o setor é, por excelência, prestador de serviços (executados justamente por seus funcionários). No Brasil, sobretudo após o golpe de 2016, os serviços públicos tiveram suas verbas cortadas – com a EC-95, do congelamento dos gastos e com a brutal recessão da qual o país até hoje não se recuperou justamente devido ao austericídio fiscal governista. O que o país precisa é retomar os gastos sociais e não reduzi-los.
Em tese geral, o JN não avaliou e não comentou que embora a elevação dos salários públicos tenha ocorrido, independente dos ciclos econômicos do pais, a significativa diferença entre os salários público-privados tem como base a maior escolarização entre os funcionários públicos, com consequente maior remuneração e especialmente a estagnação dos salários no setor privado e a escalada do desemprego no país [2]. Fatos aprofundados com a Lei de Terceirização (Lei 13.429/2017) e as leis de Reforma Trabalhista (Lei no 13.467/19, Lei 13.467/19). Esses instrumentos jurídicos tem estimulado o fechamento de postos formais de trabalho, diminuição de salários e benefícios dos funcionários do setor privado [3, 4].
Adicionalmente, o Brasil não tem resolvido regressividade tributária (ricos pagam muito menos impostos do que pobres) e na distribuição de renda, já que aqui há isenção total de tributos sobre lucros e dividendos a acionistas além de inúmeras outras benesses a especuladores financeiros (isenções de IOF, deduções sobre lucro de despesas fictícias, como “juros sobre capital próprio” etc).
É uma pena também que a “reportagem” do JN não tenha mencionado que a Globo está entre as grandes empresas brasileiras que mais devem ao fisco. Somadas, as mil empresas que possuem as maiores dívidas ativas com a União sonegaram R$ 754,7 bilhões aos cofres públicos. Se esse valor fosse quitado pelos empresários, o Brasil poderia pagar 14 meses de auxílio emergencial. Por outro lado, Bancos Itaú, Original, JB&F Investimentos e Havan estão entre os grandes devedores que sangram a Previdência. Dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) indicam que as dívidas de empresas com a seguridade social atingiram, no final de 2018, R$ 1,1 trilhão.
A “reportagem” é parte da campanha para desmoralizar os serviços e servidores públicos e convencer a população da reforma administrativa de Paulo Guedes – que pretende liquidar com serviços e direitos, além de privatizar. Essa reforma de Guedes – que conta com apoio de toda a elite financeira, da grande mídia e mesmo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia – pretende reduzir em até 50% salariais, diminuir cargos e servidores, aumentar as contratações temporárias, acabar com gratificações, promoções, adicionais por tempo de serviço e até mesmo o fim da estabilidade no emprego.
Finalmente, é uma falácia contrapor os gastos com a Covid-19 com a folha do funcionalismo – já que boa parte do funcionalismo, setor da Saúde e Educação, estão diretamente envolvidos no combate à crise.
[3] http://www.morellidavila.adv.br/os-impactos-da-reforma-trabalhista/
[4] http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8130/1/bmt_63_vis%C3%A3o.pdf