O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão colegiado composto por representantes do poder público e de organizações da sociedade civil, editou uma resolução em que manifesta o seu “repúdio” a iniciativas de restrição a liberdade de comunicação sobre temas da vida política, nacional ou internacional nas salas de aula. A resolução n° 7, publicada no último dia 23 de agosto, foi aprovado por consenso pelos integrantes do Conselho.
No documento, o CNDH repudia, também, o cerceamento do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e da discussão sobre gênero e sexualidade na escola, ou a execução de programas voltados à promoção da igualdade e ao combate à discriminação nesses temas, “respeitados, evidentemente, as necessidades e o conteúdo apropriado para cada idade”, diz o texto.
O órgão, que tem a finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas, alertou a recente aprovação de leis estaduais e municipais voltadas a impedir a livre discussão de ideias em âmbito escolar “a partir de iniciativa de movimento equivocadamente denominado ‘escola sem partido’”.
No âmbito federal, atualmente, a maioria dos projetos da “Escola sem Partido” foi apensada ao PL 7180/14, do deputado Erivelton Santana (PEN-BA), que pretende incluir entre os princípios do ensino, “o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”. Na Câmara dos Deputados são cinco os projetos anexados: 867/15, 7181/14, 6005/16, 1859/15, 5487/16. No Senado Federal, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/16, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), aguarda parecer na Comissão de Educação do Senado do relator, Cristovam Buarque.
Inconstitucionalidade
Na sua resolução, o CNDH recomenda ao Conselho Nacional da Educação (CNE) que esclareça a todos os gestores e instituições, pertencentes ao sistema, sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.537 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 461) no Supremo Tribunal Federal (STF), ambos os dispositivos legais questionam a lei 7.800/2016, do estado de Alagoas, que instituía o programa “Escola Livre”, e a lei 3.468/2015 da cidade de Paranaguá (PR), que proibia o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas do município.
A lei alagoana propunha um sistema de “neutralidade política, ideológica e religiosa” nas escolas estaduais e proibia que professores estimulassem alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas. O ministro Luís Roberto Barroso do STF concedeu, em março deste ano, liminar na ADI 5537 para suspender a integralidade da lei. O mesmo ministro ainda concedeu liminar na ADPF 461 para suspender a lei de Paranaguá. Em sua decisão, o ministro considerou que “proibir que o assunto seja tratado no âmbito da educação significa valer-se do aparato estatal para impedir a superação da exclusão social e, portanto, para perpetuar a discriminação”, ressaltou.
O documento do CNDH será enviado aos ministérios da Educação e de Direitos Humanos, secretarias Estaduais, Distrital e Municipais de Educação, Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional além de conselhos, órgãos e entidades que tratam sobre o tema, entre outros.
ONU e MPF
A posição do Conselho Nacional dos Direitos Humanos acompanha a da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Ministério Público Federal (MPF). Em abril deste ano, a ONU enviou um documento ao governo brasileiro denunciando as iniciativas legislativas no país com base no “Programa Escola sem Partido” e alertou que, se aprovadas, as leis podem representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas, aos compromissos assumidos pelo país em educação e liberdades, além de uma “censura significativa”. A organização recomendou que o governo brasileiro tomasse atitudes necessárias para conduzir uma revisão dos projetos de lei que expressam as diretrizes do Escola sem Partido.
No ano passado, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, encaminhou ao Congresso Nacional duas notas técnicas em que apontavam a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 867/2015 e do Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/16, ambos defendem o programa Escola Sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional. “O projeto subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado. Impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem. Contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares”, destacou a procuradoria em ambos os textos.
Escola Sem Partido
A “Escola Sem Partido” é uma associação de perfil conservador, fundada em 2004, que tenta coibir a atuação de professores em sala de aula e limitar a liberdade de expressão e pensamento nas escolas. Quase todos os projetos reproduzem o texto do programa Escola Sem Partido, idealizado pelo advogado Miguel Nagib, procurador de Justiça de São Paulo. Os projetos dizem defender a “neutralidade do ensino”, por meio da proibição da “doutrinação ideológica” nas escolas. Entidades e educadores alertam que por trás dessa neutralidade está a tentativa de cercear a atividade pedagógica e impor a mordaça ao ato de lecionar.
Pelotas sem mordaça
Após forte pressão da comunidade de Pelotas (RS), o Projeto de Lei Municipal 5191/2017, conhecido como “Escola Sem Partido”, foi arquivado na quinta-feira (31) na Câmara dos Vereadores pelos próprios parlamentares proponentes do projeto, Enéias Clarindo (PSDB) e Fabrício Tavares (PSD). No dia 23 de agosto, em audiência pública sobre o ESP na Casa, mais de 400 pessoas lotaram o plenário e exigiram a retirada do projeto.
Luta
O ANDES-SN – junto com várias entidades sindicais, associações, movimentos sociais e estudantis, entre outros -, integra a Frente Nacional da Escola sem Mordaça, que tem como objetivo o combate o Projeto “Escola Sem Partido”, e articula nos estados e municípios a criação de fóruns e comitês locais que, de acordo com a diretora do ANDES-SN, tem reforçado a luta contra o cerceamento da liberdade nas escolas e insere o tema na luta contra a retirada de direitos.
Fonte: ANDES-SN