Jaldes Meneses
À exceção do chamamento extraordinário de Sir Winston Churchill, feito no fogo da Segunda Guerra Mundial, quando os aviões alemães bombardeavam Londres, de que só tinha a oferecer ao povo britânico sangue, suor e lágrimas, os políticos em campanha quase sempre prometem o paraíso na terra. Eleição nunca vai deixar de conter uma dose de escapismo. Até certo ponto, toda eleição é um estelionato eleitoral. Ninguém aguenta viver em regime integral no mundo sem simbolizar ilusões antes dos outros, a si mesmo – ah, os militantes! O problema é passar de remédio a veneno.
Nesta sexta-feira, quando tenho o prazer de estrear uma coluna semanal de política em A UNIÃO, o mais importante acontecimento de ontem, terá sido o anúncio oficial, pela presidente Dilma, da nova equipe econômica. Economia realmente não é uma ciência neutra como também contraditória. As promessas da campanha petista giraram à esquerda e contra o neoliberalismo, enquanto os novos ministros econômicos (Joaquim Levy, Fazenda; Nelson Barbosa, Planejamento e Alexandre Tombini, Banco Central) são de inclinação ortodoxa, financista e fiscalista. Está por vir um duro ajuste fiscal (redução de gastos e aumento de arrecadação), que depende da aprovação no Congresso, por paradoxo, de uma medida heterodoxa, anticíclica e desenvolvimentista: o expurgo do cálculo do superávit primário dos investimentos do PAC e da desoneração de impostos. Pela primeira vez desde maio de 2000, data na qual FHC sancionou a sacra Lei de Responsabilidade Fiscal, o dogma das finanças públicas veio abaixo. A LRF deixou de ser cláusula pétrea. Como explicar tanta dialética em campanha aos eleitores de um partido? Faltaria tempo para conquistar votos.
Planta-se heterodoxia para colher ortodoxia. O ministro deposto em exercício, Guido Mantega, tentou até onde pode, nos anos dourados de Dilma (2011 e 2012), discutir uma “nova matriz econômica” que visava desembarcar do famoso “tripé” de política macroeconômica, instaurado por FHC na seqüência da crise cambial de fevereiro de 1999 – juros altos, cambio flutuante e superávit primário. Dilma era entusiasta da ideia, tanto que os juros baixaram. Logo a conjuntura mudou. A China deixou de crescer em dimensões chinesas. Os preços das commodities caíram. Os juros recomeçaram a crescer, sabe-se lá até onde.
A economia é contraditória. Dilma foi reeleita, senão com um programa, que não publicou, de todo modo, com ideias difusas de futuro. Evocando o bordão de Stendhal que explica para os frakfurtianos a finalidade da arte, uma promessa de felicidade: “governo novo de ideias novas”. Depois do encantamento de Pinocchio a realidade de Gepeto. As “ideias novas” de Dilma na TV – os efeitos especiais ao qual o eleitor teve acesso – não são colhidas em ajustes fiscais, mas nas manhãs radiantes de expansão das políticas sociais e dos investimentos públicos.
Leio um manifesto de “intelectuais do PT” condenando o governo. Nem culpo Dilma, mas o “sistema”. Desde quando, no Brasil, montagem de ministério tem a ver com militância em campanha? Em 1950, José Américo votou no Brigadeiro e acabou ministro de Getúlio. Francisco Weffort em 1994 coordenou a campanha de Lula e acordou ministro de FHC. Henrique Meirelles foi eleito deputado federal pelo PSDB em 2002. Em 2003, renunciou o mandato e foi empossado por Lula presidente do Banco Central.
Deixemos as promessas de felicidade nas mágicas mãos de João Santana. A questão não é se Levy votou em Dilma. Por afinidade eletiva, ele votou em Aécio, que considerou Levy “um agente da CIA no quartel general da KGB”. Sejamos claros: Dilma só convocou uma equipe econômica neoliberal, que promete sangue, suor e lágrimas, por que se viu acuada pelo resultado eleitoral apertado, o decréscimo da bancada parlamentar de esquerda e, principalmente, os possíveis efeitos arrasa quarteirão no coração valente do sistema político dos resultados da operação Lava-Jato, eis o secreto de polichinelo. Dilma virou neoliberal por necessidade antes de por convicção. Será feito do limão a limonada? Doravante, a verdadeira discussão passa a ser o objetivo do – inevitável – ajuste fiscal. Se esse ajuste será um programa de transição, um freio de arrumação, visando às condições de um novo ciclo de acumulação (o ciclo da era Lula, baseado no crédito e no consumo, caducou), ou se prevalecerá no governo Dilma o programa do novo neoliberalismo de Aécio Neves. Quem viver verá.
* Professor Associado do Departamento de História (UFPB), presidente da ADUFPB