Jaldes Meneses
Um dos assuntos políticos que deverei privilegiar neste ano de 2015 será o balanço das experiências novas de partidos/movimentos como o Syriza grego e o Podemos espanhol. Janeiro de 2015 começou com jeito de 1968, quem sabe um desses anos que nunca terminam? O Syriza, uma coligação da esquerda radical – quem diria poucos anos atrás? – acabou de obter uma extraordinária vitória eleitoral, elegendo 149 deputados no parlamento e Aléxis Tsípras, principal liderança do partido, primeiro-ministro. Na mesma semana, o Podemos espanhol reuniu mais de 100 mil manifestantes na Praça Cibeles, em Madrid, despontando como favorito nas eleições de dezembro, talvez elegendo Pablo Iglesias, uma dessas inusitadas lideranças jovens que parecem surgir do nada.
Após muitas décadas de sobranceira calmaria niilista e pós-moderna – Marcuse chamou a calmaria de “sociedade unidimensional” e Fukuyama decretou a eterna melancolia da vida na sociedade liberal como “fim da história” – irrompeu um verdadeiro terremoto político a saltar lavras na Europa em crise. As motivações básicas do terremoto são duas, ambas entremeadas: 1) os duros programas econômicos de ajuste neoliberal visando responder a crise econômica de 2008, a mais grave do capitalismo desde 1929; 2) a anemia de representatividade popular e déficit de hegemonia recente das cinzas instituições burocráticas da União Européia, as Torres de Marfim encasteladas nos luxuosos escritórios de Bruxelas, tão distantes do cidadão comum. Por aqui, pode-se começar a entender o fio da meada da irrupção do Syriza e do Podemos.
Em resumo, o fato é que as polarizações tradicionais do centro político, reunido em torno dos Social-Democratas e Democratas Cristãos, ou vertentes nacionais afins, dominante desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que produziu feitos extraordinários, a exemplo da paz entre a França e a Alemanha e as políticas sociais do welfare state, reguladores fundamentais do capitalismo avançado, começou a derruir. Em conseqüência, opções diferentes começaram a despontar nas praças, deslizando a polarização do debate político do centro para os extremos, à esquerda e à direita. Mal comparando, pois realmente esta analogia é um tanto forçada, embora útil como imagem, o mapa político da Europa começou a girar em direção a um sistema de partidos parecido com o do período entreguerras (1914-1939), quando pontificaram as alternativas da social-democracia (ainda marxista), do trabalhismo inglês, do comunismo, do fascismo e do nazismo.
Embora haja o Atlântico, tanto mar a nos separar, da mesma maneira que os acontecimentos da revolução russa (1917) e do fascismo italiano (1922), por exemplo, resultaram em seguida na criação entre nós do Partido Comunista do Brasil (PCB) e na Ação Integralista Brasileira – e mesmo na experiência do populismo -, o terremoto europeu inevitavelmente repercutirá no Brasil, quem sabe injetando a médio e longo prazo sangue novo à desgastada esquerda brasileira?
Se há uma verdade que o conceito de hegemonia de Gramsci me ensinou, é que uma hegemonia SEMPRE abre novas hegemonias. Não se trata, evidentemente, de criar em proveta de laboratório um Syriza ou um Podemos brasileiro novinho em folha, operação de antemão fadada ao fracasso. Contudo, penso que essas experiências podem ajudar a fazer um balanço político, teórico, programático e ideológico, que se faz urgente, da experiência, já longa, de 12 anos de governos do PT – portanto de esquerda – no Estado brasileiro. Vivemos, desde os acontecimentos de junho de 2013, um momento que forças sociais emergentes – com ênfase na nova classe trabalhadora precarizada – não adquiriram expressão política própria. Mas é só questão de tempo: a narrativa que falta virá antes que se almeja.
O momento é de convergência em torno de ideias, sem hegemonias decretadas ou doutrinarismos vanguardistas, que tanto mal fizeram à história da esquerda no Brasil e no mundo. A hora é de criar para transformar e transformar para criar, perguntando: – O que está faltando? – Que fazer?