Docentes da Universidade Federal do Pará (Ufpa) estão sendo intimidados e coagidos por ruralistas e fazendeiros no estado do Pará. Gilberto Marques, diretor-geral da Associação de Docentes da Ufpa (Adufpa – Seção Sindical do ANDES-SN) e Anderson Serra, professor do campus da Ufpa em Altamira, gravaram um vídeo, em apoio à luta dos trabalhadores rurais do município de Anapu. Em menos de uma semana, entre os dias 4 e 9 de dezembro, ocorreram dois assassinatos na região e, ao que tudo indica, os crimes estão relacionados a conflitos agrários históricos naquela área.
Em mensagens e áudios vazados por aplicativos de celular na última terça-feira (10), os docentes são chamados de bandidos, vagabundos e acusados de promover a desordem e incitarem ocupações de terras. Os ruralistas citam casos de lideranças que foram assassinadas mesmo tendo “costas quentes” de políticos e defendem que Gilberto Marques e Anderson Serra sejam enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Não é possível identificar os autores das mensagens e dos áudios.
Segundo o professor Gilberto Marques, o clima no local é tenso. “Apesar da apreensão, há muita disposição para a luta. Movimentos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e de agricultores estão organizando lutas na Amazônia e seguiremos dando nosso apoio”, afirma o professor, que está na região ministrando disciplinas pela UFPA.
Ainda segundo o docente, a situação sinaliza qual o papel da universidade na transformação social do meio. “A possibilidade de trabalhadores serem mortos é muito grande. Temos pela frente um período de muita tensão. E nesse cenário precisamos perguntar: qual é a real função da universidade, em particular da universidade pública? A função é trabalhar para superarmos as nossas grandes contradições sociais. A gente entende que a universidade deve ter uma posição. O silêncio nesse momento é cúmplice, e essa cumplicidade nós não podemos ter”, afirma Marques.
Entenda o caso
Os docentes da Ufpa gravaram um vídeo, essa semana, em solidariedade aos trabalhadores da comunidade Flamingo, em Anapu, que estão sendo intimidados por fazendeiros da região, que tentam tomar a área. Em suas falas, Anderson e Gilberto condenaram a violência no campo, defenderam os agricultores e suas famílias e cobraram do Estado uma resposta ao cenário de violência na região.
Desde 2015, 16 trabalhadores rurais foram mortos no município, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará. Em 2005, o assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang ganhou projeção nacional e internacional. Já em 2018, outra liderança religiosa, Padre Amaro, foi criminalizado e detido no presídio de Altamira. Mais recente, no início de dezembro, ocorreram os assassinatos de Márcio Rodrigues Reis, mototaxista ligado aos movimentos de luta pela terra e principal testemunha de defesa do Padre Amaro, e Paulo Anacleto, ex-vereador do PT e conselheiro tutelar do município.
Em nota divulgada no dia 6, a CPT afirma que existe “milícia rural composta por pistoleiros, organizada por madeireiros e grileiros de terras públicas” em Anapu e pede esclarecimentos ao assassinato do mototaxista. “Com medo, muitas lideranças já saíram de Anapu, outras têm medo de denunciar os crimes temendo ser a próxima vítima. Enquanto isso, a grilagem e o desmatamento avança sobre as áreas de assentamentos criados”, aponta a Pastoral da Terra.
MPF
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para acompanhar investigações dos assassinatos e solicitar providências às autoridades de segurança pública do Pará sobre a nova escalada de violência no município de Anapu. Para o MPF, o cenário atual no município evidencia a ocorrência de reiteradas “ameaças dirigidas aos defensores de direitos humanos no campo”. O MPF solicitou informações sobre as providências que estão sendo tomadas para prevenir e coibir a violência contra os moradores e lideranças dos lotes 96 e 97 da gleba Bacajá, onde há pressão para expulsão de trabalhadores rurais.
Nota
Uma nota em defesa dos docentes foi lançada por dezenas de entidades. No documento, as organizações cobram que os conflitos na comunidade Flamingo sejam solucionados, garantindo às famílias o direito à terra. “Essa situação de violência em Anapu e região Trans-Xingu faz-nos sentir coagidos, intimidados e com nossas vidas ameaçadas, cerceando o nosso direito de defesa daqueles que mais precisam. Não podemos ser vistos como criminosas e criminosos ou transgressores da lei só porque nos colocamos ao lado de trabalhadores e trabalhadoras da terra e por não concordarmos com o latifúndio, que por décadas vem fomentando a violência no campo e ceifando muitas vidas”, afirma a nota, que também é assinada pela Adufpa SSind.
Fonte: Andes-SN