No início de maio, o ANDES-SN entrevistou o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), Plínio de Arruda Sampaio Jr., sobre os impactos da contrarreforma trabalhista, em tramitação no Congresso Nacional, e a Lei da Terceirização, recentemente aprovada, para os serviços e servidores públicos. Parte da entrevista foi publicada na matéria “Contrarreformas e terceirização têm impacto na Educação Pública”, na edição de maio do InformANDES.
Abaixo reproduzimos na íntegra as respostas do docente acerca desses e outros ataques do governo com foco nos direitos sociais, visando o desmonte dos serviços públicos.
Quais as ameaças da Lei da Terceirização e da contrarreforma trabalhista para os trabalhadores em geral e, em específico, para os servidores públicos?
As mudanças propostas nas regras que regem a relação capital-trabalho são uma declaração de guerra à classe trabalhadora. Ao renegar o princípio básico de que a lei deve proteger o elo fraco da relação trabalhista, tratando de maneira desigual sujeitos desiguais, elas desmantelam a CLT. Comprometendo irremediavelmente o espírito fundamental do Estado de bem-estar social que inspirou a Constituição de 1988, elas representam uma ruptura irreparável com o pacto social que estava na origem da Nova República. A ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores joga uma pá de cal no compromisso que havia sustentado a paz social nas últimas três décadas, pois elimina definitivamente o arcabouço institucional que embasava a luta pela conquista de um patamar civilizatório mínimo para a sociedade brasileira.
Se as mudanças propostas não forem barradas pelas mobilizações populares, seus efeitos sobre os trabalhadores serão devastadores. A retirada de direitos deve aprofundar a precarização do trabalho. As consequências são conhecidas: aumento da rotatividade, deterioração das condições de trabalho, substancial redução dos salários, elevação da informalidade, aumento dos acidentes de trabalho, deterioração da saúde dos trabalhadores, comprometimento do acesso à aposentadoria, etc. A redução do poder de negociação coletiva dos sindicatos deve reforçar dramaticamente o desequilíbrio na correlação de forças entre o capital e o trabalho. Na presença de uma grande massa de desempregados, o trabalhador ficará à mercê dos apetites insaciáveis do capital. O abandono do princípio de que os trabalhadores possuem direitos mínimos que devem ser respeitados em nome do império da livre negociação entre as partes esvaziará a Justiça do Trabalho como árbitro dos conflitos entre empregados e empregadores, favorecendo, evidentemente, a parte mais forte.
Enfim, o objetivo fundamental da ofensiva contra o trabalho é rebaixar o nível tradicional de vida do conjunto da classe trabalhadora a fim de ajustar a taxa de exploração do trabalho à posição mais degradada do Brasil na divisão internacional do trabalho. A uma economia ultra-especializada na produção de mercadorias para o mercado internacional – basicamente produtos agrícolas e minerais de baixo conteúdo tecnológico – corresponde necessariamente trabalhadores sem direitos e com salários muito próximos ao estritamente necessário para sua sobrevivência biológica. O servidor público perderá triplamente: perde como trabalhador porque, como categoria que mais conquistou direitos, é quem, em termos relativos, tem mais a perder; perde como funcionário de Estado porque, além das pressões inerentes à relação vertical entre patrão e empregado, ficará muito mais vulnerável às pressões políticas; e perde como cidadão porque terá de viver numa sociedade sem horizonte civilizatório.
Como a Lei da Terceirização e a proposta trabalhista atacam os serviços públicos?
O ajuste neoliberal, radicalizado pela camarilha comandada por Temer, destrói o arremedo de políticas públicas construído ao longo dos últimos oitenta anos. Saúde, educação, saneamento básico, transporte, lazer, cultura devem virar grandes negócios. Os recursos públicos devem ser canalizados para alimentar as burras dos rentistas dependurados na dívida publica. Privatizando serviços públicos, comprometendo as condições de trabalho do servidor, contraindo drasticamente os gastos sociais, a nova geração de políticas neoliberais inviabiliza irremediavelmente a possibilidade de um corpo burocrático estável, bem remunerado e relativamente protegido de pressões políticas. Ao levar ao paroxismo o princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal, a decisão de congelar por vinte anos o gasto social compromete irremediavelmente o financiamento de políticas universais, baseadas no reconhecimento de direitos que são considerados patrimônio inalienável de todo e qualquer cidadão. O projeto da burguesia é institucionalizar o capitalismo selvagem. Nesse contexto, é a própria noção de público que fica posta em questão.
Considerando a possibilidade de terceirização irrestrita, inclusive da atividade fim, você acredita que isso terá reflexo na Educação Pública, em especial na Universidade Pública? Como?
A terceirização é absolutamente incompatível com a formação de um sistema nacional de educação. Ao reagir bravamente contra a transferência de escolas para a administração de organizações sociais, entidades que surgiram na reforma de Estado promovida por Bresser Pereira no governo Fernando Henrique Cardoso, o movimento secundarista alertou para o risco de nossa juventude ser entregue a empresas que funcionam como verdadeiras sanguessugas dos cofres públicos. Para os neoliberais, a função da educação esgota-se na necessidade de formar mão-de-obra barata para as empresas. Um sistema nacional de educação, comprometido com o conhecimento dos problemas nacionais, a democratização da sociedade e a superação da dependência econômica e cultural, requer um ambiente sociocultural que é incompatível com a lógica do lucro.
A universidade pública não está inscrita no projeto de ajuste neoliberal, nem no que vem sendo conduzido por Temer, nem no foi feito por Dilma, Lula e, muito menos Fernando Henrique Cardoso. Para os neoliberais, a universidade pública é um luxo caro e desnecessário que deve ser eliminado o mais rapidamente possível. Na ordem global, o conhecimento é património das economias centrais. Na periferia do capitalismo, as sociedades em reversão neocolonial podem ter, na melhor das hipóteses, um ensino superior de quinta qualidade. Além de abrir uma frente de negócio para o capital, o ensino superior deve cumprir o triste papel de correia de transmissão do conhecimento produzido nos centros imperiais. A escalada autoritária, o colonialismo cultural e a penúria de recursos inviabilizam a universidade pública brasileira, pois, sem plena liberdade para o exercício da crítica, sem a articulação da pesquisa com o ensino e sem condições que permitam acumular experiência, é impossível produzir e reproduzir conhecimento.
Foto: CSP-Conlutas
Fonte: ANDES-SN