Rubens Pinto Lyra
“A pior ditadura é a do Judiciário: contra ela, não há a quem se recorrer”, Ruy Barbosa
Os sucessivos ataques à universidade pública, com proibição de reuniões, condução coercitiva e prisão de dirigentes, além de processos judiciais abertos sob o menor pretexto contra seus integrantes, acendem o sinal vermelho. Desde a revogação do Ato Institucional nº5, em 1978, com o retorno – apenas mitigado – do Estado de Direito, a instituição universitária, templo do saber e bastião das liberdades democráticas, da tolerância e do pluralismo, não sofre tão severo processo de desestabilização.
O exemplo mais chocante ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina, cujo Reitor, Luiz Carlos Cancillier, se suicidou quinze dias após ser submetido a diversas humilhações, sem ser réu em nenhum processo, sequer denunciado pelo Ministério Público .Algemado, desnudado, teve seus pés acorrentados, foi submetido à revista íntima, vestiu uniforme de presidiário.
As consequências de tamanho arbítrio deveriam ter servido de advertência ao ativismo judicial imperante, em relação à exorbitância de medidas tomadas – e não por coincidência – contra a universidade, de onde mais emanam críticas ao desmonte do Estado de Bem Estar em curso e às políticas neoliberais que o patrocinam. Não foi, porém, o que ocorreu.
Mais uma grave agressão registrou-se no dia 6 de dezembro, desta feita contra a Universidade Federal de Minas Gerais, mediante condução coercitiva – mesmo com parecer contrário do Ministério Público – do Reitor Jaime Ramirez, do Vice-Reitor e de mais de uma dezena de quadros.
Como disse seu dirigente máximo, protestando contra o abuso de que foi vítima: “se tivéssemos sido intimados antes, viríamos, de livre e espontânea vontade”. Nesse episódio, sem qualquer justificativa consistente, a direção da UFMG, tal como ocorrido na UFSC, foi tratada como uma quadrilha de assaltantes, com 84 policiais destinados a capturá-los.
Com efeito, existe um segmento influente de magistrados, imbuído de uma missão salvífica, mas atuando, na prática, como operador da “elite do dinheiro” que nos governa. Espelhando-se no exemplo da Lava Jato, coloca em xeque as garantias individuais e o próprio processo legal, embora permaneça, esvaziada do seu conteúdo, a “casca” da legalidade.
Destarte, os processos judiciais seguem, paradoxalmente, regidos por atos sucessivos de agressão a essa mesma legalidade. Trata-se de mecanismo insidioso e ambivalente, pois tudo é feito no sistema de justiça, ora dentro dos seus limites, ora ultrapassando-os.
Atente-se para a dificuldade de “deslegitimar” o arbítrio, pois ele se pratica com o beneplácito dos tribunais superiores – precisamente encarregados de velar pela sua legalidade!
Para um número não desprezível de juristas, está em gestação um Estado Policial, para outros, ele já se encontra vigente. A maioria não reconhece, todavia, a sua existência, embora todos se preocupem com a instabilidade jurídica e os “excessos” das operações policiais.
Nem sempre é de fácil caracterização o Estado de Exceção. Além da falta de transparência e de contornos definidos, o que supostamente existe no Brasil distingue-se do “modelo clássico” por não assumir essa condição, já que não há suspensão formal das garantias constitucionais.
Esse pano de fundo dramático requer dos setores mais conscientes da sociedade civil esforço inaudito para a constituição de diversas frentes, sem restrições a priori, entre estas, a da defesa da universidade pública.
Frontalmente atacada, ela e os meios científicos já esboçam vigorosa reação, que precisa alcançar amplos setores da sociedade, pois é nossa combalida democracia que está em jogo.
(*) Doutor em Direito Público e Ciência Política