Déficit de estrutura em novos cursos decepciona alunos. Graduações criadas por programa de expansão enfrentam da prosaica falta de espaço físico até carência de professores e aulões coletivos

Glória Tupinambás – Estado de Minas

Publicação: 28/03/2010 08:16 Atualização: 28/03/2010 09:54

Estudantes que se aventuram em novos cursos de graduação criados recentemente pelas universidades federais encontram um cenário preocupante em Minas: faltam salas de aula, professores, material de ensino, laboratórios de pesquisa e, principalmente, respeito aos alunos. Nesse território dos “sem-sala” está Simone Cristina Avelar, de 28 anos, do novo curso de design de moda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Toda entusiasmada com seu primeiro dia de atividades, ela imaginou que iria encontrar carteiras novinhas, laboratórios com computadores de última geração e espaço suficiente para dar vazão à criatividade. Mas, nos dois primeiros períodos, só se deparou com decepção. Além da ausência recorrente de professores, ela e toda a turma foram obrigados a passar incontáveis horas vagando pelos pátios da Escola de Belas Artes por falta de espaço para as aulas.

O tempo passou e hoje, no terceiro período, a situação se tornou ainda mais grave. Nos corredores da escola, materiais adquiridos para atender a demanda do curso acumulam poeira em caixotes lacrados. O motivo seria cômico, se não fosse sério: falta espaço físico para acomodar alunos, manequins, computadores e mesas de desenho. Para abrigar a turma, a universidade cogita até transferir a tradicional biblioteca da Escola de Belas Artes para a Praça de Serviços da instituição, no câmpus Pampulha.

Aulas começam e obras não acabam Alunos convivem com poucos livros e muita água Estudantes chegam antes da estrutura

Há exemplos semelhantes em muitas graduações inéditas criadas pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), lançado pelo governo federal em 2007. Na UFMG, sobram reclamações também nos novos cursos de cinema de animação e artes digitais, arquivologia, antropologia e engenharia de sistemas.

No interior do estado, a carência de infraestrutura atinge da mesma forma alunos das universidades federais de Ouro Preto (Ufop), na Região Central de Minas; de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata; e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). No câmpus Mariana da Ufop, as aulas são ministradas num verdadeiro canteiro de obras e prateleiras vazias na biblioteca da instituição denunciam a falta de livros e material científico adequado para dar suporte aos novos cursos de comunicação social, serviço social, economia e administração, criados há um ano e meio no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Atrasos na construção de prédios e problemas na contratação de professores levaram os diretores da ICSA a pedir à reitoria a suspensão do próximo vestibular, previsto para julho.

Impasse

Assembleias, abaixo-assinados e reuniões com a coordenação da Escola de Belas Artes da UFMG já viraram rotina na vida dos alunos. Segundo a coordenadora de movimento estudantil do Diretório Acadêmico de Belas Artes, Raquel de Souza Prado, a burocracia é o principal entrave para resolver o problema. “Há um projeto de expansão do prédio, mas ele não sai do papel. Professores já aprovados em concursos ainda não foram nomeados. Os novos cursos começaram a funcionar em 2009 e a questão se agrava a cada semestre, com a entrada de mais alunos. No caso da moda, faltam ateliês e oficinas imprescindíveis para o curso”, lamenta Raquel.

A aluna Simone Cristina denuncia que a falta de salas e professores é suprida com palestras e seminários. “A solução improvisada pela direção é reunir alunos de diferentes períodos para palestras no auditório. Isso é tapar o sol com a peneira. Além disso, por falta de computadores, estamos aprendendo a fazer à mão desenhos que deveriam ser digitais“, diz Simone.

Nos novos cursos de engenharia, a concentração de turmas diferentes no mesmo espaço também já é usual. “Salas com 120 alunos já viraram regra nas aulas de cálculo, por exemplo. Como a disciplina é comum ao ciclo básico de várias graduações, eles reúnem as turmas. Didaticamente, isso é muito ruim, pois o professor não tem condições de tirar dúvidas e dar a atenção devida aos estudantes”, diz um integrante do DA de Engenharia, que preferiu não ser identificado.

A pró-reitora-adjunta de Graduação da UFMG, Carmela Maria Polito Braga, admite problemas pontuais em alguns cursos, mas informa que são “dificuldades transitórias que já estão sendo solucionadas”. Segundo ela, a falta de professores se deve à não aprovação de profissionais em concursos, mas, provisoriamente, outros docentes da instituição estariam encarregados das substituições. E, no caso da carência de espaço físico, ela espera que o problema seja resolvido com a inauguração de três Centros de Atividades Didáticas (CADs). O primeiro deles, voltado para cursos da área de ciências biológicas e de saúde, deve ficar pronto até o fim do ano; o segundo, de ciências humanas e sociais aplicadas, está na fase de fundação do prédio; e o terceiro, de engenharia, ciências exatas e ciências da terra, está em processo de licitação.

“Não há alunos sem aulas na UFMG e temos apenas casos pontuais de problemas. Nesses processos de criação de cursos há uma transitoriedade. As obras estão licitadas ou em andamento e os concursos para professores estão sendo realizados, mas nesse intervalo pode haver descompasso na aplicação dos recursos”, afirma Carmela. Por meio do Reuni foram abertas 2 mil vagas na UFMG, que saltou de 4.674 cadeiras em 2007 para 6.670 este ano. Ao todo, 27 cursos foram criados e outros 22, expandidos. A universidade recebeu investimentos do governo federal de R$ 167 milhões: R$ 72 milhões para obras de infraestrutura e R$ 95 milhões para custeio, implantação e reestruturação dos cursos. Nesse período, a UFMG contratou 540 professores e 593 funcionários técnico-administrativos.

Aulas começam e obras não acabam

Ricardo Beghini – Estado de Minas

Publicação: 28/03/2010 08:29 Atualização: 28/03/2010 10:03

Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os novos alunos do bacharelado em ciências exatas, que possibilita acesso aos cursos de engenharias, criados com recursos do programa de expansão Reuni, assim como os estudantes de cursos já existentes da mesma área, terão que esperar até a primeira quinzena de abril para o término das obras do novo prédio da unidade. Até lá, vão conviver com o vaivém de operários, com o barulho dos equipamentos de construção e com tapumes no lugar de paredes e corrimãos. As aulas, por enquanto, vêm sendo ministradas em um novo edifício do Instituto de Ciências Exatas (ICE), que também não foi concluído.

“O novo bloco não tem banheiro nem bebedouro. Precisamos nos deslocar até o prédio vizinho”, reclama a caloura do curso noturno de engenharia elétrica Priscila Shandreppi, que aponta outro problema enfrentado por ela e pelos colegas. Segundo Priscila, nas espaçosas salas de aula do novo edifício do ICE, projetadas para abrigar pelo menos 100 alunos, os estudantes acomodados do meio para trás não conseguem enxergar a parte de baixo do quadro. “O fato de ter mais vagas é sempre bom, mas eles tinham que ter tratado disso melhor”, ressaltou.

No primeiro dia de aula do semestre na UFJF, uma comissão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) visitou o bloco inacabado do instituto para verificar as dificuldades. “A solução para garantir a segurança é transferir os estudantes para outras unidades até o prédio ficar pronto”, avalia o coordenador-geral do DCE, Luã Cupolillo.

O pró-reitor de Graduação da Federal de Juiz de Fora, Eduardo Magrone, assinala, por sua vez, que os transtornos são transitórios frente aos benefícios que o novo bloco de ensino proporcionará: novas salas de aulas, 12 minianfiteatros, outros dois com capacidade para 300 lugares, laboratórios de ensino de química, física e ciência da computação. “A UFJF se empenha em minimizar eventuais transtornos ocasionados pelos trabalhos na obra no novo prédio de cinco andares em área de 6 mil metros quadrados”, disse. Segundo ele, a o atraso foi provocado pelo período chuvoso.

Estudantes chegam antes da estrutura

Luiz Ribeiro – Estado de Minas

Publicação: 28/03/2010 08:31

A Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), uma das instituições mais novas do sistema federal, criada em setembro de 2005, vem permitindo que muitos jovens das regiões mais pobres de Minas possam realizar o sonho de cursar o ensino superior. Porém, muitos enfrentam dificuldades diante da falta de estrutura.

Sediada em Diamantina, a UFVJM encampou a antiga Faculdade de Odontologia (Fafeod) e conta também com um câmpus em Teófilo Otoni. Pouco mais de quatro anos depois de criada, a instituição já tem cerca de 30 cursos e aproximadamente 5 mil alunos. Além do atendimento às demandas regionais, o crescimento da universidade se deve à sua inclusão no programa de expansão Reuni.

“Foram abertas muitas vagas sem uma estrutura adequada para a expansão”, afirma o presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFVJM, Heverton de Paula. Ele salienta que os cursos foram criados antes do término das obras para atendê-los, como a construção de laboratórios e outros prédios. “O curso de educação física, por exemplo, está próximo de formar a primeira turma sem a conclusão do complexo esportivo da universidade”, observa Heverton.

O líder estudantil diz que, com o Reuni, a UFVJM passou a enfrentar excesso de alunos nas aulas. “Há salas com até 120 estudantes”, disse, apontando a falta de titulação como outro problema. “Isso ocorre porque os professores fazem concurso para as universidades do interior. Mas, depois de concluir mestrado ou doutorado, preferem as instituições dos grandes centros”, afirma o presidente do DCE.

O aluno Érico Ribeiro Hugo, do 8º período de ciências biológicas, lamenta a falta do laboratório de biologia molecular. “Mas sou bem compreensivo em relação a isso, pois a universidade é nova e os laboratórios ainda estão em construção”, afirma.

O reitor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Pedro Ângelo Almeida Abreu, nega que o Reuni tenha provocado impactos o ponto de prejudicar a qualidade do ensino da instituição. “O programa trouxe maior quantidade de recursos para o crescimento da universidade. O que ocorre, na verdade, é que há parte de uma elite que é contra essa expansão do ensino superior”, dispara.

Em relação à infraestrutura da instituição, ele defende a necessidade de criação de cursos antes que seja providenciado suporte para o funcionamento. “No nosso país, ninguém cria o espaço antes das necessidades. Então, foi criada a universidade, para depois ser montada a infraestrutura”, afirma o reitor, que culpa a burocracia pela demora na conclusão das obras. “Infelizmente, enquanto se faz uma construção em seis meses na iniciativa privada, na área pública a mesma obra demora pelo menos 18 meses por causa do processo de licitação e de outras questões burocráticas. Por isso há um descompasso entre a implantação dos cursos e o fim das obras.”

Segundo o reitor, há no país uma cultura de que as salas de aula devem ter poucos alunos, enquanto em países do hemisfério Norte o contingente de estudantes é maior, sem prejuízo para o ensino. Para ele, o número excessivo de alunos não vem atrapalhando as atividades da instituição.

Fonte: Estado de Minas, 28/03/2010