O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) publicou, na terça-feira (24), uma portaria na qual define suas prioridades para o período de 2020 a 2023, alinhadas ao Plano Plurianual da União (PPA). No documento, o MCTIC estabeleceu como prioritários projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações voltados apenas para cinco áreas de tecnologia.
Com o argumento de “alavancar setores com maiores potencialidades para a aceleração do desenvolvimento econômico e social do Brasil e racionalizar o uso dos recursos orçamentários e financeiros programados pelo Governo Federal”, a Portaria nº 1.122 ignora as demais áreas de conhecimento. E reduz ainda mais o investimento público em áreas como ciências básicas, aplicadas, humanas e sociais, as quais também contribuem para o desenvolvimento da nação e para busca por soluções sustentáveis para os problemas da realidade brasileira.
O MCTIC impõe, ainda, que a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidades vinculadas à pasta, “deverão promover os ajustes e adequações necessários nas respectivas linhas de financiamento e de fomento para incorporar em seus programas e ações as prioridades estabelecidas no documento”. Confira a portaria.
A portaria estabelece como prioritários, no âmbito no MCTIC, projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações voltados para cinco áreas de tecnologias: Estratégicas; Habilitadoras; de Produção; para Desenvolvimento Sustentável; e para Qualidade de Vida.
A área de Tecnologias Estratégicas contempla os setores espacial, nuclear, cibernética e segurança pública e de fronteira. Já Tecnologias Habilitadoras incluem inteligência artificial, internet das coisas (IoT), materiais avançados, biotecnologia e nanotecnologia. A área de Tecnologias de Produção abrange indústria, agronegócio, comunicações, infraestrutura e serviços. Em Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável estão cidades inteligentes, energias renováveis, bioeconomia, tratamento e reciclagem de resíduos sólidos, tratamento de poluição, monitoramento, prevenção e recuperação de desastres naturais e ambientais, além de preservação ambiental. A última área, de Tecnologias para Qualidade de Vida, envolve os setores de saúde, saneamento básico, segurança hídrica e tecnologias assistivas.
Para o ANDES-SN, a medida arbitrária e autoritária do MCTIC reproduz a visão obscurantista e elitista do governo atual de que a ciência tem apenas caráter utilitário, voltada apenas para o Capital, e de que pesquisas e produção do conhecimento nas áreas de ciências sociais e humanas são descartáveis.
O Sindicato Nacional defende a revogação imediata da portaria e denuncia que, mais uma vez, o governo federal ataca a produção de conhecimento no país, desconfigurando o caráter do CNPq como órgão de fomento a todas as áreas de pesquisa e produção científica. Além disso, retira os já poucos recursos destinados pelo CNPq às áreas de ciências básicas, humanas e sociais.
“A portaria 1.122 do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, ao invés de simplesmente definir prioridades, consiste em mais uma etapa intensificada do processo de desmonte das ciências no Brasil. Mais amplamente falando, é um ataque à própria soberania nacional, uma vez que um dos seus sustentáculos é o domínio técnico e científico preterido pelo puro simples domínio da técnica dissociada dos processos de produção científica de conhecimento que inscrevem a totalidade dos saberes. Por exemplo, [a produção de saber] na área da ciência médica tem que ser acompanhada, para seu desenvolvimento e implementação, de uma análise sociológica, sócio-histórica e antropológica”, aponta Rodrigo Medina, 1º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN.
Para o diretor do Sindicato Nacional, o desmembramento das ciências significa, dentro dessa perspectiva do fomento, a própria decomposição do conhecimento humano. “Portanto, é a reprodução de saberes para realidades submetidas a um modelo de capitalismo dependente”, conclui.
Diante do cenário atual, o ANDES-SN aponta que se faz urgente a revogação da Emenda Constitucional 95, a taxação de grandes fortunas e a suspensão do pagamento de juros e amortização da Dívida Pública, para que se consiga ampliar os recursos destinados a áreas como Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia públicas, que se mostram fundamentais para buscar soluções aos diferentes problemas aprofundados pela pandemia do novo coronavírus.
Entidades representativas dos gestores em Ciência e Tecnologia, dos servidores do CNPq e do MCTIC também rechaçaram a decisão do ministério, sobre a qual alegam não terem sido consultados. “A portaria terá forte impacto no fomento as Ciências Sociais e nas Ciências Básicas, na medida em que estabelece como prioridade para financiamento apenas as pesquisas nas áreas tecnológicas. As consequências para a ciência de modo geral, e para aqueles campos do conhecimento que por sua natureza ou por sua dinâmica não estão atreladas de imediato a produção de tecnologias podem ser incomensuráveis”, apontam em nota conjunta o Sindicato dos Gestores em Ciência e Tecnologia (SinGCT), a Associação dos Servidores do CNPq (Ascon) e a Associação dos Servidores do MCTIC (ASCT).
Para as entidades, o atraso que determinações do MCTI impõe às pesquisas, seus centros de produção e seus pesquisadores, submetidos ao corte total ou redução drástica de financiamento, pode levar a um forte desequilíbrio entre os campos do conhecimento. Além disso, promover “um rebaixamento de nossa inserção no campo da produção mundial do conhecimento, na solução dos problemas nacionais e nos próprios objetivos buscados na Portaria”.
Vale destacar que também nesse mês de março, a Capes publicou portaria com novo método para destinação de bolsas que implicará em redução significativa do número de bolsas em diversos programas de pós-graduação nas universidades públicas brasileiras.
Fonte: Andes-SN