O Globo – 16/05/2011
Cássio Bruno
Professores condenam distribuição da obra: ‘Mais uma vez, no lugar de ensinar, vão rebaixar tudo à ignorância’
O Ministério da Educação informou que não se envolverá na polêmica sobre o livro com erros gramaticais distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático, do próprio MEC, a 485 mil estudantes jovens e adultos. O livro “Por uma vida melhor”, da professora Heloísa Ramos, defende uma suposta supremacia da linguagem oral sobre a linguagem escrita, admitindo a troca dos conceitos “certo e errado” por “adequado ou inadequado”. A partir daí, frases com erros de português como “nós pega o peixe” poderiam ser consideradas corretas em certos contextos.
— Não somos o Ministério da Verdade. O ministro não faz análise dos livros didáticos, não interfere no conteúdo. Já pensou se tivéssemos que dizer o que é certo ou errado?
Aí, sim, o ministro seria um tirano — afirmou ontem um auxiliar do ministro Fernando Haddad, pedindo para não ser identificado.
Escritores e educadores criticaram ontem a decisão de distribuir o livro, tomada pelos responsáveis pelo Programa Nacional do Livro Didático. Para Mírian Paura, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uerj, as obras distribuídas pelo MEC deveriam conter a norma culta:
—Não tem que se fazer livros com erros. O professor pode falar na sala de aula que temos outra linguagem, a popular,não erudita, como se fosse um dialeto. Os livros servem para os alunos aprenderem o conhecimento erudito. Na obra “Por uma vida melhor”, da coleção “Viver ,aprender”, a autora afirma num trecho: “Posso falar ‘os livro?’ Claro que pode, mas, dependendo da situação, a pessoa pode ser vítima de preconceito linguístico.” Em outro, cita como válidas as frases: “nós pega o peixe” e “os menino pega o peixe”. Autor de dezenas de livros infantis e sobre Machado de Assis, o escritor Luiz Antônio Aguiar também é contra a novidade:
— Está valendo tudo. Mais uma vez, no lugar de ensinar, vão rebaixar tudo à ignorância. Estão jogando a toalha. Isso demonstra falta de competência para ensinar.
Segundo ele, o que estabelece as regras é a gramática.
— Imagina um jogo de futebol sem as linhas do campo. Como vão jogar futebol sem saber se a bola vai sair ou não? O que determina as regras é a gramática. Faltam critérios. É um decréscimo da capacidade de comunicação — observou Aguiar , também professor do curso “Formação de leitores e jovens leitores”, da Secretaria municipal de Educação do Rio.