Será que “os Direitos Humanos só defendem bandidos”, que “os Direitos Humanos só valem para os humanos direitos”, que “bandido bom é bandido morto”, que “os Direitos Humanos só defendem quem não presta”?
Será que isso é verdade ou é mentira? É mito ou realidade? Para responder, vamos ver mais de perto o que são os Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos não são de esquerda ou de direita, são os alicerces da nossa Constituição e do nosso Pacto Social, e o padrão mínimo de uma convivência civilizada: sem os Direitos Humanos voltamos à barbárie do estado de natureza. A sociedade vira uma selva.
Os Direitos Humanos defendem a todos e todas.
Os Direitos Humanos defendem os bandidos, porque o bandido perde a liberdade, mas não a dignidade e o tratamento que recebe nas prisões e masmorras brasileiras é indigno de qualquer ser humano e não faz ninguém ficar melhor. Os Direitos Humanos defendem um tratamento digno para os presos, com oferta de oportunidade de trabalho, de estudo e de reeducação. Deixar o sistema penitenciário como está ou aumentar ainda mais a quantidade de presos significa incentivar o crime!
Os Direitos Humanos defendem os policiais, porque a polícia é defensora dos Direitos Humanos, defende a vida, a liberdade, a propriedade, o direito de ir e vir de todos os cidadãos. É um absurdo colocar a polícia contra os Direitos Humanos. O direito à segurança é um direito fundamental, e a polícia, assim como a sociedade, é responsável por esse direito, como afirma a Constituição.
Os Direitos Humanos defendem melhores condições de vida e de trabalho para os policiais, defendem a vida dos policiais: se o policial não consegue proteger a sua vida, como pode proteger a dos cidadãos! O assassinato de policiais é o sinal dramático da falência do nosso sistema de Segurança Pública, que não oferece garantias mínimas nem para os cidadãos, nem para os policiais e nem para os “bandidos”: policial mata bandido, bandido mata policial, o cidadão fica entre o fogo cruzado e o círculo da violência continua gerando mais violência e insegurança para todos. Mais truculência e mais repressão policiais não resolvem, agravam a crise! Dar “licença para matar” ao policial significa que ele se torna em poucos minutos, quem prende, julga, condena e executa a pena! Significa também aumentar o risco de reação letal por parte dos criminosos diante da abordagem policial, pois reagir será lutar pela vida.
Os Direitos Humanos defendem os direitos de todos os trabalhadores a um trabalho digno e decente, contra as condições de trabalho e de salário aviltantes e indignas e semelhantes à escravidão.
Os Direitos Humanos defendem os direitos das mulheres à vida, ao trabalho, à saúde, à educação, à paridade de tratamento no trabalho, na família e na sociedade. Os Direitos Humanos são contra os feminicídios, a violência doméstica, o assédio sexual, todas as formas de violência e de discriminação contra as mulheres.
Os Direitos Humanos defendem os direitos da população LGBTI a viver livremente a própria sexualidade ou orientação sexual, que não é uma opção, mas uma condição de vida que sempre existiu e que deve ser respeitada; são contra o assassinato e a violência contra homossexuais, lésbicas, travestis, transgêneros.
Os Direitos Humanos defendem a liberdade de religião dentro de um Estado laico. O Estado não tem religião, a religião é um assunto privado; as igrejas devem respeitar as leis do Estado e não podem perseguir outras religiões, ou impor suas ideias e comportamentos às outras religiões ou a quem não tem religião. Os Direitos Humanos defendem a tolerância religiosa como uma grande conquista civilizatória da humanidade contra o fanatismo e o fundamentalismo religioso.
Os Direitos Humanos defendem a justiça pública e não a vingança privada, como um grande avanço civilizacional desde os tempos dos antigos códigos de Lei: por isso, os cidadãos andam sem armas e entregam ao Estado e aos profissionais da segurança este direito/dever.
Os Direitos Humanos defendem o ensino público universal e gratuito como uma das principais ferramentas de ascensão social, para formar pessoas para o mercado de trabalho, e para formar cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres, educando-os para a tolerância, a solidariedade, a paz e os valores democráticos. A educação em e para os Direitos Humanos deve ser a base de toda a formação desde o ensino fundamental até o ensino superior, como determina o Conselho Nacional de Educação.
Os Direitos Humanos defendem os programas sociais de renda mínima e as ações afirmativas como instrumentos para permitir uma equalização das oportunidades para todos os cidadãos brasileiros, sem distinção.
Os Direitos Humanos defendem a liberdade de ensino dos professores, dentro dos limites ditados pela lei, para eles como para todos os cidadãos, sem pressões ou censuras ou intimidações. O pluralismo ideológico é a base de uma formação que respeite os outros, as diferenças.
Os Direitos Humanos defendem a família, nas suas diversas maneiras de ser, e defendem o apoio do Estado para que toda família tenha as condições mínimas para crescer e educar os seus filhos, para que nenhuma família brasileira passe fome e necessidade.
Os Direitos Humanos defendem as populações indígenas e negras, e o seus territórios, culturas e identidades. Os Direitos Humanos defendem a reforma agrária através de uma redistribuição da terra, defendem a demarcação das terras indígenas para proteger a cultura indígena e o patrimônio natural de todos, defendem a demarcação das terras e o respeito à cultura dos quilombolas herança da luta e da resistência dos escravos negros.
Os Direitos Humanos defendem que todo o cidadão deve ter as mesmas condições básicas de vida, moradia, alimentação, educação e saúde para poder participar em pé de igualdade com os outros no mercado de trabalho e usufruir tudo o que a sociedade lhe oferece. Os Direitos Humanos defendem a igualdade.
Os Direitos Humanos só prosperam em um ambiente democrático, não há democracia sem Direitos Humanos e não há Direitos Humanos sem democracia. Defender a democracia significa defender a vontade da maioria, mas também os direitos das minorias: sem isso a democracia se torna uma tirania da maioria.
Democracia significa soberania popular, separação dos poderes, liberdade de expressão e de formação de associações e partidos, liberdade de votar e ser votado, subordinação do poder militar ao poder civil. Democracia é administração dos conflitos sem recorrer à violência, ou recorrendo à violência legitima do Estado, exercida nos limites da lei.
Os Direitos Humanos defendem que o direito à informação deve ser amplo, democrático, dotando a sociedade de mecanismos de regulamentação para evitar o monopólio dos meios de comunicação, assegurando a pluralidade de manifestações de visões de mundo.
Os Direitos Humanos são contra as ditaduras, os Estados autoritários ou totalitários, que violam os princípios básicos do Estado de Direito, promovem a tortura e consideram o adversário político como um inimigo a ser exterminado.
Os Direitos Humanos são contra a crescente militarização da segurança pública e de outros âmbitos das relações sociais no Brasil: o exército e a polícia têm as suas atribuições claramente determinadas pela Constituição e todos eles estão subordinados ao poder político civil. O período das ditaduras militares no Brasil e na América Latina é uma página trágica da nossa história que deve ser definitivamente virada. Ditaduras nunca mais!
Os Direitos Humanos defendem o respeito, pelo Estado Brasileiro, do direito internacional dos Direitos Humanos, defendem os princípios do multilateralismo e da cooperação entre as nações em pé de igualdade, contra qualquer tipo de imperialismo; o respeito dos organismos internacionais de proteção do sistema universal e regionais das Nações Unidas, entidade que o Brasil ajudou a fundar em 1945 e o respeito aos Pactos e Protocolos Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado brasileiro, que fazem parte do direito interno. O Brasil foi um dos 48 países que participaram da elaboração e assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Os Direitos Humanos são fruto de um longo processo histórico de lutas, revoluções, guerras, conflitos que convenceram a humanidade a adotá-los como padrão civilizatório. Eles reúnem o que há de melhor na história da humanidade: a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
A liberdade civil e política é a herança do liberalismo político deixada pelas revoluções burguesas contra o absolutismo monárquico e o sistema econômico feudal; a igualdade social e econômica é a herança das revoluções socialistas contra a exploração capitalista; e a fraternidade é a herança do cristianismo social, que ensina que todo ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus e que em todos, inclusive no mais desprezível, há uma centelha divina, o que lhe confere uma dignidade própria.
Os Direitos Humanos são uma secularização do cristianismo, ou seja, uma tradução em termos laicos e racionalistas, dos princípios teológicos cristãos como também de outras religiões do mundo inteiro. Dizer-se cristão e ser contra os Direitos Humanos é algo incompatível, pregar o Evangelho e estimular o ódio e a violência é algo incompatível, o Evangelho é uma doutrina de paz e de amor e não de ódio e de violência, o Evangelho prega o desarmamento dos corações e das mentes e o amor ao próximo (parábola do bom samaritano).
Os Direitos Humanos não são facultativos, fazem parte das obrigações éticas, jurídicas e políticas que todo cidadão brasileiro deve respeitar.
O leitor que chegou até aqui percebe, então, quanto é absurdo afirmar que “os Direitos Humanos só defendem bandidos”, que “os Direitos Humanos só valem para os humanos direitos”, que “bandido bom é bandido morto”, que “os direitos humanos só defendem quem não presta”. Quantas falácias e mentiras!
Os Direitos Humanos protegem todos os cidadãos brasileiros nos seus direitos básicos e fundamentais, eles são universais, são para todos ou para ninguém, sem exceções.
Todos sabem que o Brasil vive uma grave crise econômica, política e ética, mas não vamos sair desta crise com menos, mas com mais Direitos Humanos, não com menos, mas com mais democracia, não com ódio e violência, mas com paz e tolerância, para se tornar uma sociedade mais justa e solidária!
Estes princípios deveriam ser óbvios para todos e ensinados desde pequenos pela família, a escola, os partidos, os meios de comunicação. No entanto, no Brasil há uma campanha permanente de difamação, descrédito e desinformação contra os Direitos Humanos, ao ponto que uma recente pesquisa do IPSOS sobre a percepção dos Direitos Humanos em 28 países do mundo, o Brasil está no topo da lista: é o pais onde mais de 60% da população acredita que os Direitos Humanos defendem pessoas e grupos sociais que não merecem ser protegidos.
Nestas eleições votem em quem quiserem, menos nos que prometem acabar com os Direitos Humanos, quem assim agir, estará votando contra os seus próprios direitos! A democracia não pode ser tolerante com os intolerantes.
A democracia tem um calcanhar de Aquiles, pode ser derrubada por meios democráticos, pela maioria dos votos; como aconteceu com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália. Não contribua para que isso aconteça também aqui no Brasil, depois, quando se arrepender, será tarde demais. Não se deixe seduzir pelo discurso dos que atribuem aos Direitos Humanos a culpa por todas as mazelas que o país está atravessando. Hitler culpou os judeus, a ditadura brasileira os comunistas, e agora são os Direitos Humanos o bode expiatório da vez. Acorde! Não deixe esta onda de violência obscurecer sua mente, confundir o seu raciocínio e encher de ódio o seu coração. O Brasil precisa de paz e de bom senso e não de radicalização e de violência.
Direitos Humanos ou barbárie!
Prof. Giuseppe Tosi
Coordenador do Grupo de Pesquisa de “Teoria e História dos Direitos Humanos e da Democracia” do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Subscrevem essa carta
Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas – CCHLA-UFPB.
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos – NCDH-CCHLA-UFPB.
Comissão de Direitos Humanos da UFPB – CDH-UFPB.