Jaldes Meneses
Na coluna da semana passada, por mim chamada de “Do jeito que está não fica mais” previ quatro possibilidades de futuro ao governo Dilma Rousseff: 1) renúncia; 2) impeachment; 3) novo ministério expressivo de um acordo com o PMDB e a burguesia brasileira; 4)novo ministério representativo de um acordo de esquerda, por consequência de abandono da política econômica neoliberal de Joaquim Levy. Embora estejamos em pleno curso de desenvolvimento da crise política, os acontecimentos da semana – os pronunciamentos públicos da presidente de não constar da palavra renúncia no seu dicionário e a mutualidade exclusiva entre a terceira e quarta alternativas – reduziram as quatro possibilidades a duas: do mirante do observatório da crise, hoje, apenas o impeachment e o novo governo do PMDB e da burguesia brasileira persistem cogitados. Podemos estar na iminência da posse do terceiro mandato de Dilma Rousseff, cujos fiadores não são mais os eleitores de três de outubro de 2014.
E a árdua travessia de pães e rosas das Margaridas na imaginação dos movimentos sociais? A festa foi bonita, pá, mas esvaiu-se na recepção, repleta de simbolismos e emoções, das autoridades governistas à passeata de quarta-feira em Brasília. No dia seguinte, a verdade que vale é o deserto de realidade das propostas da “Agenda Brasil”, apresentada por Renan Calheiros à Dilma, em jantar segunda-feira no Palácio da Alvorada.
Escrevo advertido que é preciso parcimônia nessas prédicas de anúncio do “terceiro mandato” de Dilma, pois resta saber a dinâmica e os resultados das manifestações de oposição e de direita contra o governo, realizadas no domingo 16. Mesmo na certeza de sejam manifestações de presença de milhões de pessoas, representativas das classes médias altas das orlas e dos jardins, o alcance social da adesão ao movimento do dia 16 não desceu – salvo franjas circunscritas, muitas das quais mobilizadas pela estrutura de cabos eleitorais do PSDB – aos pobres da periferia. O governo tornou-se impopular, sem dúvida, no entanto trata-se de erro político vulgar confundir sentimento de impopularidade do governo e adesão, militante ou mesmo passiva, ao impeachment.
Enganam-se aqueles que pensam que o tema da corrupção é insensível aos trabalhadores e pobres. Ao contrário, o tema é altamente explosivo, pois a bandalheira do “petrolão” é associada, no senso comum popular, à inflação dos preços da gasolina. Este é o principal motivo de o governo Dilma ter esvaído em seis meses a popularidade que um dia desfrutou. Pela brecha de associar corrupção e inflação, realmente os movimentos de impeachment poderiam crescer. Mas não. Esses movimentos são vesgos na compreensão da dinâmica da sociedade brasileira. Se consideram vítimas de espoliação pelos governos do lulismo, em benefício dos pobres do Bolsa Família. A ignorância os impede de saber que, a constar a estrutura regressiva do imposto de renda, a taxação universal do consumo e a não regulamentação do preceito constitucional do imposto sobre as grandes fortunas, a conta dos programas sociais recai principalmente sobre os pobres e secundariamente sobre as madames. No íntimo, a ideologia dominante nos movimentos do dia 16 corresponde ao estágio de consciência de classe que Gramsci denominava de “corporativa”, ou seja, que luta por suas reivindicações específicas, mas é incapaz de transcender a uma proposta universalista, que abarquem outros interesses.
Para não dizer que não falei em Lava Jato – outra possibilidade real de subversão do acordão em curso -, deve-se distinguir o tempo político do tempo jurídico. O desfecho do mensalão durou dez longos anos, ao passo que a crise política e econômica requisita respostas aqui e agora. Foi através da brecha entre o tempo político e jurídico onde entraram as vozes de ponderação das entidades empresariais, do Bradesco, da Rede Globo, do Financial Times e da Bloomberg. Mesmo sob o risco de as próximas etapas da Lava Jato derruir a governabilidade instável do “terceiro mandato de Dilma”, a ordem de comando, sempre condicional e provisória, desses representantes diretos do grande capital nacional e estrangeiro é pela manutenção do governo.
As condições de apoio foram apresentadas através do programa da “Agenda Brasil”. Os portadores foram Renan Calheiros e a maioria do PMDB, vale dizer, do sistema político do presidencialismo de coalizão, que se tornam fiadores incontestáveis do acordo, sobre o que muito teria a dizer – por questão de espaço, prometo um próximo artigo especialmente sobre os fiadores partidários do acordo. Mesmo que as 28 propostas da agenda estejam, por enquanto, desalinhavadas, a diretriz é transparente como água pura de riacho: se o ajuste fiscal, sob a batuta de Joaquim Levy, poderia ser vendido às mentes crédulas como um movimento provisório, até tático, de saída de uma crise econômica cíclica, doravante, no terceiro mandato de Dilma, o assunto é conceder, criminalizar, terceirizar e privatizar. O nome da rosa atende por estratégia.