“Essa contrarreforma administrativa vem não para melhorar, mas para destruir o Serviço Público e todos os direitos que conseguimos alcançar desde a Constituição de 88”. A declaração é da professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), Laudicéia Araújo Santana, doutora em Ciências Sociais e pesquisadora nas áreas de Economia do Setor Público, Economia Política e Política Econômica.
Ela participou da assembleia virtual realizada pela ADUFPB no último dia 11 e fez uma apresentação acerca dos perigos da Proposta de Emenda à Constituição nº 32/2020, que vem sendo chamada pelo governo de “Reforma Administrativa”, mas na essência cria dispositivos que desvirtuam completamente o Serviço Público e colocam o Estado nas mãos do mercado.
De acordo com a professora Laudicéia Santana, a PEC 32 – que altera 27 trechos da Constituição Federal, introduz 87 novos, sendo quatro artigos inteiros – tem como real objetivo retirar direitos dos servidores e recursos dos fundos públicos para o atendimento aos interesses do capital rentista.
Em um dos novos artigos, a proposta prevê o compartilhamento de estrutura e pessoal da administração pública com a iniciativa privada. “Corremos o risco de sermos permanentemente usados como base para os interesses privados”, alerta Laudicéia Santana.
Fim da estabilidade do servidor público
A PEC 32 prevê mudanças nas formas de entrada no Serviço Público. O mecanismo do concurso público continuará existindo, mas o processo de seleção incluirá um “vínculo de experiência”. Após ser aprovado nas provas, o candidato ficará de um a dois anos sendo “testado” para efetivamente se tornar servidor. A avaliação ficará a cargo do chefe imediato, mas a PEC 32 não aponta os critérios para isso.
Outra forma de entrada no Serviço Público prevista na proposta é o “vínculo por tempo determinado”, categoria que poderá ser contratada, inclusive, em caso de paralisação de atividades, como as greves de servidores pela garantia de direitos.
A PEC 32 modifica também o direito à estabilidade no Serviço Público. Caso o texto seja aprovado, apenas os chamados “cargos típicos de Estado” passarão a ser estáveis, e os demais terão “vínculo por tempo indeterminado”. A proposta, entretanto, não indica quais são os cargos típicos de estado, deixando essa descrição para lei posterior. “A estabilidade no serviço público implica em um compromisso com o Estado. Sem estabilidade, o compromisso do servidor público passa a ser com o governo de plantão”, argumenta Laudicéia Santana.
Por fim, a PEC 32 prevê cargos de liderança e assessoramento que, segundo a professora Laudicéia Santana, vão funcionar como verdadeiros “cabides de emprego”. “É a velha política do ‘toma lá, dá cá’. O texto permite que esses cargos de liderança e assessoramento sejam ocupados por pessoas que não têm vínculo com o estado. Nas instituições de ensino, por exemplo, não é mais o professor do curso que vai ocupar a coordenação, a direção do Departamento, e sim alguém de fora, indicado”, explica.
Dados falsos e manipulados
A PEC 32, que já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, segue a mesma lógica das reformas trabalhista e previdenciária, segundo a professora Laudicéia Santana. “Baseia-se em dados falsos, estudos manipulados, e promete resultados impossíveis”, sentencia.
Além disso, de acordo com ela, a documentação que embasa a PEC está sob sigilo e o governo omite os gastos com a dívida pública, apontando a Previdência e o funcionalismo como maiores despesas do Orçamento. Conforme a Auditoria Cidadã da Dívida, entretanto, 53,92% da previsão orçamentária para 2021 serão gastos com juros e amortização da dívida. Já a despesa com Previdência representa apenas 19,46% do total.
Outro manipulação de dados acontece quando o governo alega aumento dos gastos com pessoal de 145% em 12 anos, utilizando valores nominais, sem considerar a inflação do período e sem comparar com o Produto Interno Bruto (PIB). Segundo a apresentação da professora Laudicéia Santana, no período apontado, a despesa com pessoal diminuiu de 4,54% para 4,34% do PIB.
Interesse real da “Reforma Administrativa”
Segundo a professora Laudicéia Santana, todos os recentes movimentos de “reforma” impostos nos últimos anos no setor público tiveram como principal interesse manter a prioridade para o pagamento da dívida pública. “Foi assim com a PEC do Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência”, afirmou.
O mesmo acontece agora com a PEC 32. “Essa contrarreforma administrativa é o retorno do Estado ao que era antes da Constituição de 88”, alerta Laudicéia Santana. Segundo ela, com a aprovação, o Serviço Público passará a ser administrado pela iniciativa privada, embora continue financiado pelo Estado.
Trata-se de uma “reforma ideológica”, em que o Estado passa a ser regido prioritariamente pelo mercado e seus interesses privados para obtenção de lucro. “Deixamos de ser uma economia de mercado para sermos uma sociedade de mercado, onde tudo se transforma em mercadoria”, avalia a professora do IFPB. Para justificar esse movimento de terceirização dos serviços, o governo utiliza a narrativa – adotada também pela grande mídia – da obsolescência dos cargos públicos, numa lógica em que a modernização equivale à precarização.
Leia essa e outras matérias na 4ª edição do jornal AdufINforma Expresso.
Assista no YouTube da ADUFPB à apresentação feita pela professora Laudicéia Santana
Fonte: Ascom ADUFPB