Em um momento que escancara a importância da ciência, tecnologia e do conhecimento produzidos nas universidades públicas, institutos federais e Cefet, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) editou uma medida que pode representar uma queda de cerca de 35% na quantidade de bolsas de pós-graduação oferecidas pela fundação.
A Portaria 34, publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira (18), altera novamente os critérios de distribuição das bolsas de mestrado e doutorado, modificando os pisos e tetos de cortes das bolsas. Com isso, retira bolsas de programas, principalmente os de notas 3, 4, 5, remanejando-as para programas de maiores conceitos. Embora a Capes insista que o novo cálculo não representa corte de bolsas, diversas universidades já se manifestaram sobre o impacto que a mudança terá em seus programas de pós-graduação.
A Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), por exemplo, informou que, com a nova metodologia, a instituição terá uma redução de cerca de 15% nas bolsas de pesquisa. Segundo nota da Ufpel, o número total de bolsas de cada Programa de Pós-Graduação em 2020 não foi alterado, ou seja, a soma das cotas do curso – aquelas que o Programa pode gerenciar – e das cotas de empréstimo – aquelas que possuem alunos vinculados, mas que serão retiradas do Programa após a defesa do estudante – não mudou. Porém, as cotas da maioria dos PPG’s diminuíram, aumentando o número de cotas de empréstimo. “Na prática, a Capes cortou bolsas, diminuindo a capacidade de gerenciamento de bolsas e novas concessões e anunciando cortes a posteriori”, comunica. De acordo com a instituição, há programas que perdem todas as bolsas, como o de Meteorologia.
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Federal do Paraná (UFPR) também criticaram a medida e divulgaram estimativa do impacto do novo modelo em seus programas. Em nota, UFSC afirmou que 572 bolsas de pós-graduação serão cortadas, o equivalente a 25% do total de bolsas da pós-graduação da universidade. No mestrado, serão 263 bolsas a menos e no doutorado a perda equivale a 309 bolsas.
“Os cortes são monstruosos, estão nos matando a míngua. Tirar bolsa é tirar pesquisa, é tirar aluno, é tirar todo o resultado que a gente poderia esperar de uma universidade que queria se manter como uma das melhores da América Latina. É o fim de um sonho”, lamenta Cristiane Derani, pró-reitora de Pesquisa Pós-Graduação da UFSC.
A UFPR divulgou que poderá perder quase 600 bolsas de mestrado e doutorado se a Capes mantiver a determinação. De acordo com a instituição, cerca de 40% das bolsas de mestrado e de 30% das de doutorado seriam atingidas em até três anos.
A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), por exemplo, ainda não disse o impacto da medida em seus programas, mas alertou nota em que a nova portaria ocasiona uma severa perda de bolsas em todos os programas de pós-graduação do Brasil.
Já a Universidade Federal de Pernambuco divulgou que a Portaria 34 da Capes resultará na perda de 140 bolsas, sendo 71 de doutorado e 69 de mestrado. Em nota da UFPE, o coordenador de Bolsas de Pós-Graduação da Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesq), Paulo de Tarso Nunes, apontou que o mais grave acerca da medida é o fato de ela ter sido publicada 15 dias após a Capes comunicar às universidades, por meio de ofício circular, os números de bolsas dos programas, que haviam sido calculados de acordo com as portarias anteriores. As universidades, portanto, já haviam se planejado diante da iminência de abertura do Sistema de Controle de Bolsas e Auxílios (SBCA) para proceder à indicação dos novos bolsistas. “Muitos estudantes foram chamados a assinar o termo de compromisso, criaram expectativas, abriram conta bancária e, em alguns casos, pediram demissão de seus trabalhos, diante da suposta garantia de ter a bolsa”, relatou Nunes.
Entidades cobram a revogação da medida
O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop) publicou nota declarando ter sido “surpreendido” pela portaria e que a mesma impacta diversas pesquisas, como na área de Saúde, que vive atualmente uma emergência pela Covid-19. A entidade cobrou a revogação da portaria.
A Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais também manifestou “grande preocupação com a possibilidade iminente de perda de bolsas nos programas de pós-graduação”. A deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), provocada pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), protocolou um decreto legislativo, que visa sustar os efeitos da Portaria 34, caso a Capes não a revogue.
A ANPG também já iniciou uma petição virtual e orientou os pós-graduandos a denunciarem as bolsas que sejam cortadas. A associação lembra que os programas de menores conceitos, impactados pelos cortes, são maioria no país, especialmente nas regiões Nordeste e Norte, e jogam um papel fundamental na produção científica brasileira.
“Diante desse cenário, a ANPG vem recebendo diversos relatos de pós-graduandos aflitos com a situação, pois as bolsas de estudos orientam a vida acadêmica e social e são a única fonte de renda, uma vez que requerem dedicação exclusiva”, denuncia em nota.
Para o ANDES-SN, é urgente o cancelamento da Portaria 34, bem como a recomposição do número de bolsas, além da atualização dos valores concedidos. Também se faz necessária a revogação da Emenda Constitucional 95, que limita a destinação de recursos da União para áreas como Saúde, Educação e Ciência por 20 anos.
Somente em 2019, mais de 12 mil bolsas de mestrado e doutorado foram extintas. No ano passado, o governo Bolsonaro cortou 87% do orçamento do CNPq e 50% do orçamento da Capes previstos para 2020.
Sem reajustes nem reposição inflacionária desde 2013, os valores mensais de bolsas de pesquisa da Capes são R$ 1.500 para o mestrado e R$ 2.200 para o doutorado. Desde 2015, o valor total de bolsas do órgão de fomento vem diminuindo ano a ano.
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*com informações do Esquerda Diário e Nexo