O professor Carlos Zacarias, do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi intimado a depor, na 16ª Vara Federal na capital baiana, sobre o pedido de liminar feito pelo vereador Alexandre Aleluia (DEM), posteriormente indeferida pelo juiz federal Iran Leite. Zacarias recebeu a intimação no dia 9 de março e tem 10 dias para se manifestar. O reitor da UFBA, João Carlos Salles, também foi citado.
O docente é o responsável pela disciplina optativa “Tópicos Especiais em História – o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, ministrada por ele e mais um grupo de cerca de vinte professores, em solidariedade ao colega da Universidade de Brasília (UnB), Luiz Felipe Miguel, recentemente vítima de represália do Ministério da Educação (MEC).
Luiz Felipe é idealizador do curso “O Golpe de 2016 e o Futuro da Democracia no Brasil” na UnB e tem recebido manifestações de apoio de docentes de diversas instituições do país após ameaças do MEC à autonomia universitária, liberdade acadêmica e à pluralidade pedagógica. O ministro Mendonça Filho acionou a Advocacia-Geral da União, o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público Federal para impedir que se discuta o processo que culminou com a ascensão de Michel Temer à Presidência da República. Mendonça quer que seja apurada suposta “improbidade administrativa”, sob o argumento de que a disciplina promove “pensamentos político-partidários” na instituição de ensino. A ação do MEC teve efeito contrário e fez o curso se multiplicar mais de 30 instituições do país.
Relevância acadêmica
Em entrevista ao programa de televisão baiano TVE Revista, Carlos Zacarias defendeu a importância do estudo do tema. Para ele, diante da ameaça a tantos direitos historicamente conquistados, é necessário debater os rumos da democracia no país e garantir a autonomia universitária – esta última prevista no artigo constitucional 207.
De acordo com Zacarias, as ciências humanas são disciplinas que se alimentam de debates intensos; a História é um campo de batalha com as narrativas em disputa. “Um governo que assumiu de maneira tumultuada não pode cercear o direito à palavra”, disse. “Vamos continuar refletindo sobre o golpe dentro e fora da universidade; isso é fundamental”, afirmou.
O Conselho Universitário da UFBA aprovou por unanimidade nota na qual defende a liberdade de cátedra e a autonomia acadêmica, além de afirmar que a disciplina em questão “respeitou toda tramitação prevista na Universidade, desde a proposição regular no Departamento até a criação de seu código na Superintendência Acadêmica da Universidade e disponibilização para matrícula, devendo, por conseguinte, ser garantida”.
A manifestação do conselho diz ainda que “os componentes curriculares de Tópicos Especiais têm o traço de serem mutáveis, voltando-se amiúde à contemporaneidade das áreas do saber e a pesquisas em andamento. São assim característicos do ensino superior de qualidade, no qual ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis”.
Solidariedade
O ANDES-SN e diversas seções sindicais têm manifestado solidariedade aos docentes que vêm sofrendo represália do MEC. Em moção divulgada no dia 5 de março, a diretoria do Sindicato Nacional denuncia que a autonomia universitária vem sendo atacada incessantemente pelo governo ilegítimo de Temer. “Ações coercitivas, projetos de lei com o objetivo de amordaçar a educação pública, a Reforma do Ensino Médio, os cortes em custeio e investimentos, além do incentivo ao discurso de ódio com características anticomunista, misógina, racista, machista, lgbtfóbica e antifeminista. Historicamente, os movimentos sociais sempre responderam com veemência às opressões. As universidades públicas, ao longo do tempo, se tornaram a extensão das lutas, sendo sua comunidade acadêmica parte desse processo. Em momentos de autoritarismo e retirada de direitos, os movimentos docente e estudantil foram e são expressão de resistência.”
Ainda de acordo com a nota do ANDES-SN, “a ação popular contra a disciplina na UFBA e os depoimentos do Ministro de Educação, criminalizando o(a)s docentes responsáveis por disciplinas sobre o Golpe de 2016, ferem a autonomia universitária e são uma clara tentativa de censura”.
*Com edição e inclusão de texto do ANDES-SN.
Imagem: ANDES-SN