A ADUFPB lança nesta segunda-feira (21/6) a segunda edição do boletim “Em Tempo”, publicação que tem como objetivo contribuir para as ações de resistência e mobilização no país e na UFPB. Em um texto intitulado “As ameaças autoritárias e as tarefas da intelectualidade democrática na atualidade”, o professor Jonas Duarte, do Departamento de História da UFPB, fala sobre a crise do capitalismo e suas relações com o agravamento da pandemia de covid-19.
“Do ponto de vista dos valores éticos, colunas estruturais desse ‘edifício’, a pandemia provocada pelo novo coronavírus desmoralizou de vez a mal propagada e mal empregada ‘liberdade individual’ difundida como valor fundamental para a humanidade por liberais dos anos 1990”, avalia o professor Jonas Duarte.
A segunda edição do boletim “Em Tempo” começa a circular nesta segunda-feira nas redes sociais do sindicato e está disponibilizada no site (www.adufpb.org.br).
Leia abaixo o texto na íntegra ou clique aqui para fazer o download em formato PDF.
AS AMEAÇAS AUTORITÁRIAS E AS TAREFAS DA INTELECTUALIDADE DEMOCRÁTICA NA ATUALIDADE
Jonas Duarte
A escalada do pensamento autoritário é mundial. Característica da grave crise sistêmica que vivemos.
Estamos em um período de transição.
O “edifício” do sistema capitalista mundial, erguido a partir dos séculos XVIII e XIX, apresenta fissuras e desgastes irreversíveis. Sua economia, em crise desde 1972, agrava-se a partir de 2008 e tem enormes dificuldades de se recuperar sob os auspícios do neoliberalismo.
Problemas sociais como fome, miséria e emigrações se agravam. No centro da dinâmica capitalista global, os EUA, a fome já alcança 40 milhões de pessoas. Realidade que se amplia também na Europa ocidental, antes decantada como o “1º e paradisíaco mundo”. Racismo e xenofobia emergiram a níveis e condições insuportáveis, desumanas. As instituições políticas vivenciam crises sem precedentes. Não há mais credibilidade na representação política.
Percebe-se que a crise ambiental, gravíssima, é resultado da forma como o “sistema” organizou a produção e o consumo. As propostas do tal “Capitalismo Verde” se mostram absolutamente insuficientes para reparar o drama ambiental e restaurar uma condição de vida ambientalmente sustentável.
Do ponto de vista dos valores éticos, colunas estruturais desse “edifício”, a pandemia provocada pelo novo coronavírus desmoralizou de vez a mal propagada e mal empregada “liberdade individual” difundida como valor fundamental para a humanidade por liberais dos anos 1990. O que se viu em sociedades pretensamente desenvolvidas foram individualismos, egoísmos acima de tudo e de todos, colocando em risco e matando centenas de milhares de pessoas. Incapazes de um comportamento coletivo, solidário, de disciplina e respeito ao próximo, diante dos riscos da transmissão e contaminação do vírus, o que vimos foram jovens e adultos desrespeitando as orientações sanitárias e até mesmo os apelos das autoridades de saúde e irresponsavelmente transmitindo o vírus e causando a infecção e a morte de dezenas, centenas de milhares mundo afora. No Brasil, a postura genocida do próprio Presidente da República é, ao mesmo tempo, emblema desse desprezo à vida e aos valores da coletividade, assim como a força motora que induz as massas a esse comportamento letal.
A covid-19, que vai matando cerca de 4 milhões de pessoas ao redor do mundo e já dizimou mais de 500 mil vidas no Brasil, tornou-se mais uma fonte de riquezas desse sistema imoral e desumano. Acentuou as desigualdades sociais a patamares jamais vistos.
A reação a esse caos provocado pela experiência neoliberal e de aprofundamento das desigualdades, da miséria, da desmoralização, como nos anos 1930, guardando as devidas proporções, foram a dèbacle do pensamento democrático liberal – de caráter mais moderado, de centro, centro esquerda ou centro direita – e a ascensão de forças mais aos polos, à extremidade. De esquerda e de direita.
Mas está emergindo, também, uma esquerda mais assertiva, menos conciliadora. Anticapitalista, antirracista, antixenófoba, anti-homofóbica. Feminista, combatendo o machismo com garra e sabedoria. Uma esquerda mais solidária. Engajada nas lutas dos povos originários, anticolonialistas. Uma esquerda radicalmente ambientalista, profundamente comprometida com o futuro do planeta e da humanidade. Essaode-se encontrar na Bolívia, Chile, Colômbia, Venezuela, Brasil, Argentina… Também em Portugal, Espanha, na própria Alemanha e nos EUA.
Enfim, à medida que as contradições se aguçaram, aquela ideia de um sistema capitalista bonzinho, humanizado, perde força. Neste período de transição, em que se desmorona um sistema gigantesco como o capitalista e ainda não é possível erguer, dos seus escombros, uma ordem econômica, social, política e cultural nova, assistiremos a muitas tragédias, muitos radicalismos.
Ao intelectual social e ambientalmente comprometido, cabe se engajar na luta em favor da construção desse novo edifício social. E esclarecer que não se trata da luta do bem contra o mal como repetidamente e inapropriadamente querem nos fazer crer.
É a velha e sempre presente luta de classes. Agora emergindo da contradição entre o velho sistema de exploração, carcomido, absolutamente inapropriado para as demandas humanas imediatas e futuras, para o novo – mais igualitário, justo, solidário, humanista. Harmonioso entre humanidade e natureza.
Esse “novo” não virá por obra e graça “divina”, naturalmente, automaticamente, como já se pensou. Terá de ser buscado com a força e a unidade dos explorados, dos oprimidos. Com suas sabedorias, criticidade e criatividade. Não será obra fácil. Mas é a única condição para a sobrevivência da vida humana e do planeta.
Nossa tarefa é fecundar esse novo amanhecer nas lutas diárias contra o fascismo e no processo permanente de produzir uma educação crítica, criativa, germinadora de utopias plenas de felicidade.
Tenhamos consciência de que esse outro mundo é possível. Cabe a nós colocar nossos tijolos nesse grande edifício.
Mãos à obra.
Fonte: Ascom ADUFPB