Jorge Luiz Souto Maior é um jurista e docente de direito do trabalho brasileiro da Universidade de São Paulo (USP). É também juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP). Nessa entrevista concedida ao ANDES-SN para o InformANDES de Maio, ele debate as consequências dos projetos de ajuste fiscal do governo federal e do Congresso Nacional para a vida dos trabalhadores brasileiros.
ANDES-SN: Como a Lei das Terceirizações, aprovada em março, e a proposta da contrarreforma Trabalhista, que tramita no Congresso Nacional, atacam os serviços públicos?
Souto Maior: Ambos os projetos atingem diretamente o serviço público, pois corroboram a lógica privatista. A terceirização visa, sobretudo, aniquilar o concurso público e conceito de carreira no serviço público, destruindo a independência dos profissionais que atual no setor público.
ANDES-SN: Quais as ameaças dessas medidas para os trabalhadores em geral e, em específico, para os servidores públicos?
Souto Maior: No geral, a reforma busca fragmentar ainda mais a classe trabalhadora, impedindo sua atuação coletiva para a melhoria de suas condições de trabalho e de vida. No que se refere aos servidores públicos isso se dá pela terceirização e pelo impedimento ao exercício do direito de greve, que se aliam, claro, à denominada PEC do fim do mundo [Teto de Gastos], já aprovada.
ANDES-SN: Considerando a possibilidade de terceirização irrestrita, inclusive da atividade-fim, você acredita que isso terá reflexo na Educação Pública, em especial nas universidades públicas? Como?
Souto Maior: Em abril de 2015, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional as Leis 9.637/98 e 9.648/98, legitimando a privatização do Estado nos setores da saúde, educação, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia e meio ambiente por intermédio de convênios, sem licitação, com Organizações Sociais.
Naquele instante já se abriu, com maior vigor, a porta para a privatização e com as “reformas” em curso o que se almeja é eliminar de vez a ideia de um Estado Social Democrático no Brasil, que foi, ademais, uma promessa da Constituição de 1988 que sequer conseguimos experimentar de verdade. Neste contexto, é mais que evidente que a educação pública, que tem resistido bravamente e até recuperado seu espaço nos últimos anos, tende a sofrer danos ainda mais profundos, caso todas essas reformas sejam levadas a efeito.
ANDES-SN: Quais as consequências da aprovação da terceirização irrestrita para a vida dos trabalhadores brasileiros?
Souto Maior: A terceirização irrestrita, ainda mais no parâmetro de negociações coletivas (e até individuais) que podem romper com os limites legais na relação capital-trabalho, em um país que não garante aos trabalhadores a proteção contra a dispensa arbitrária e o efetivo exercício do direito de greve, significa a elevação do poder econômico a um patamar destruidor das bases do Estado Social, aumentando a exploração do trabalho e, claro, o sofrimento da classe trabalhadora, com repercussão em toda a sociedade, dados os desajustes sociais e econômicos que essa autêntica barbárie, a favor do lucro de poucos, representa.
ANDES-SN: É possível afirmar, como fazem alguns estudos, de que a tendência é que os trabalhadores trabalhem mais para ganhar menos?
Souto Maior: Isso não é uma consequência colateral das reformas, é o que se pretende, efetivamente.
ANDES-SN: Como a aprovação da terceirização, e, posteriormente, a possibilidade de aprovação da contrarreforma Trabalhista, impactarão a Previdência?
Souto Maior: Duplamente, pois com a diminuição do ganho dos trabalhadores e o aumento das formas jurídicas fugidias da configuração do vínculo empregatício ou mesmo da natureza salarial das parcelas pagas aos trabalhadores haverá diminuição brutal da arrecadação previdenciária e, ao mesmo tempo, a maior precarização das relações de trabalho provocará maiores acidentes e doenças do trabalho, multiplicando as despesas da Previdência.
ANDES-SN: É possível dizer que, mesmo se a PEC 287 [contrarreforma da Previdência] seja rejeitada, com ambas as medidas acima citadas, o Sistema de Seguridade Social que conhecemos também será desmontado?
Souto Maior: Não tenho dúvida de que mesmo sem uma reforma da Previdência, a reforma trabalhista, por si, é capaz de destruir a Previdência Pública, abrindo o espaço desejado para a privatização da Previdência.
ANDES-SN: O governo Temer afirma que a terceirização não acaba com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, existe uma tendência à “pejotização” dos trabalhadores a partir de agora. Quais as consequências desse processo?
Souto Maior: Diz que a terceirização não acaba com a CLT porque os terceirizados são empregados, mas são empregados precarizados, ou seja, com maior insegurança no emprego, sem posto fixo de trabalho e sem vinculação sindical. Além disso, nos termos da reforma, podem ser quarteirizados, o que amplia a sua vulnerabilidade.
Não bastasse isso, a reforma abre a porta para pejotização, que é o trabalhador empreendedor de si mesmo, ou seja, aquele que terceiriza o seu próprio serviço e que, portanto, não é empregado e não possui direitos trabalhistas. A generalização dessa situação, portanto, por via transversa, acaba com a CLT.
Com imagem de Boitempo
Fonte: ANDES-SN