Auditoria encontrou problemas na conexão de internet, principal ferramenta utilizada pelos 110 mil alunos dos cursos
Na região Norte, estudantes demoram duas horas para enviar trabalhos; governo admite problemas e afirma trabalhar para corrigir erros

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto de ensino a distância do governo federal para formar professores tem falhas que causam “risco de sustentabilidade”, aponta auditoria aprovada no mês passado pelo Tribunal de Contas da União.

A auditoria constatou, por exemplo, problemas na conexão de internet nos cursos, principal ferramenta utilizada pelos estudantes. A crítica foi feita por 42% dos tutores, espécie de docentes que acompanham os futuros professores.

O governo admite a existência de problemas, mas diz que são esperados em um programa de grande dimensão e relativamente recente (iniciado em 2005). Afirma também que está corrigindo as falhas (leia mais nesta página).

A Universidade Aberta do Brasil, como é chamado o programa de formação, é a principal aposta da gestão Lula para reduzir o número de professores sem a formação adequada que atuam na educação básica. Hoje, são 110 mil alunos matriculados no projeto.

A União estima que 300 mil docentes do país não têm ensino superior ou lecionam em área diferente de sua formação original. A melhora do magistério é apontada pelo próprio governo como o fator mais importante para aumentar a aprendizagem dos estudantes.

Um dos maiores problemas encontrados pelo tribunal foi a condição dos polos presenciais, locais onde os alunos participam de aulas obrigatórias e podem usar os computadores para atividades a distância, como trabalhos e videoconferências.

Como o projeto atende principalmente cidades com população de baixa renda, a maior parte dos alunos depende da estrutura do polo para estudar.

Conexão

Na apuração feita em Pacaraima (RR) e Moju (PA), constatou-se que os alunos demoram até duas horas para conseguir enviar um trabalho. Quando a conexão cai, o aluno perde toda a atividade.

Além da instabilidade na conexão, a fiscalização constatou também que diversos polos não possuem biblioteca ou laboratórios de áreas específicas.

Os problemas do projeto existem devido a uma falha de gestão do governo, afirma Mozart Neves, membro do Conselho Nacional de Educação.

Neves critica o fato de o governo federal ter delegado aos municípios a manutenção dos polos – a União gerencia o projeto e fornece a internet; as universidades são encarregadas do projeto pedagógico. “O programa é bem desenhado. A falha é o MEC ter deixado a estrutura com os municípios. Muitos prefeitos inauguram a obra e depois deixam de lado”, diz.

A mesma auditoria do tribunal encontrou problemas no Pró-Letramento, programa federal que visa aperfeiçoar os professores de português e matemática, da 1ª à 4ª série.

Muitos dos tutores dos professores são escolhidos por meio de indicação política, apontam relatórios da Unicamp, UFMG (federal de Minas) e Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos).

Além disso, 52% dos municípios que aderiram ao projeto não estão na relação de piores nas avaliações federais de qualidade, perfil que deveria ser prioritário, afirma o tribunal.


Frase

O programa é bem desenhado. A falha é o MEC ter deixado a estrutura com os municípios.
Muitos prefeitos inauguram a obra e depois deixam de lado.
MOZART NEVES
membro do Conselho Nacional de Educação e do movimento Todos pela Educação


outro lado

Ministério da Educação diz trabalhar para resolver erros

DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Educação afirma que já tomou medidas para sanar problemas da Universidade Aberta do Brasil.

Em relação à conexão à internet, a pasta diz que conversa com as operadoras Telefônica e Oi para que o serviço fique satisfatório imediatamente.

O prazo inicialmente estipulado para a melhoria é o final do ano que vem, mas o governo pretende encurtar o período para a Universidade Aberta do Brasil -o projeto engloba também conexão nas escolas públicas de educação básica.

“É uma operação grande, precisa implementar torres, fazer cabeamentos”, afirma o secretário de Educação a Distância do governo federal, Carlos Eduardo Bielschowsky.

Sobre os problemas de estrutura física dos polos, o ministério afirma que, “a priori, essa é uma responsabilidade de municípios e Estados”.

Diz, porém, que tem dado apoio aos municípios com mais dificuldades. Exemplos: reforma de 110 polos em municípios com notas baixas; envio de 171 laboratórios de física, química e biologia; e envio de 600 mil livros às unidades presenciais.

“Os problemas estão sendo corrigidos. O modelo do programa, com a participação de prefeitos e governadores, é muito bom, já funciona na Espanha e no Rio [iniciativa estadual]. O envolvimento de todos dá sustentação política ao projeto”, afirma o secretário de Educação a Distância.

A pasta afirma que 200 especialistas contratados percorreram todos os polos. A avaliação deles é que 384 das unidades estão satisfatórias, 111 regulares e 55 necessitam de melhorias urgentes.

Sobre a possibilidade de indicações políticas de tutores, o MEC afirma que a escolha precisa ser “técnica”. A pasta diz que investigará as denúncias e, caso seja confirmado o problema, o órgão responsável pela contratação será penalizado.

Em relação à crítica da distribuição de municípios participantes do Pró-Letramento, o governo afirma que a decisão de aderir ao projeto cabe aos prefeitos. Ressalta que 82% dos municípios prioritários, segundo os critérios internos do MEC, estão contemplados.

A Undime (entidade que representa os secretários municipais de Educação) afirma que, por conta da crise econômica, as prefeituras estão com dificuldades orçamentárias neste ano, o que dificulta a manutenção dos polos. Segundo o presidente Carlos Eduardo Sanches, a previsão é que haja melhorias no ano que vem.


Na BA, prédio tem goteiras, falta luz e conexão é lenta

DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO SEBASTIÃO
DO PASSÉ (BA)
DA REPORTAGEM LOCAL

Em São Sebastião do Passé (BA), alunos dos cursos à distância enfrentam internet lenta, queda de energia e goteiras no prédio utilizado pelo programa do governo federal.

“Com uma internet lenta e sobrecarregada, precisamos juntar cinco ou seis alunos em cada computador para conseguir assistir aos vídeos do curso”, diz Leila Andrade, tutora do curso de pedagogia.

No polo do programa, 185 alunos participam de cursos à distância de pedagogia e de atualização para professores. A cidade, de 40 mil habitantes, fica a 75 km de Salvador.

O prédio pertence à Petrobras e foi emprestado à prefeitura para viabilizar o programa. A reportagem encontrou paredes mofadas e portas de banheiros infestadas por cupim. As aulas também são prejudicas pela acústica das salas.

Na terça-feira, dia de maior movimento no prédio, sobrecargas de energia chegam a causar cancelamento de aulas.

Alunos e tutores criticam a deterioração do prédio, mas afirmam que os cursos à distância garantem a melhoria do ensino em municípios pequenos.

“Sem essa estrutura, ainda que falha, não poderíamos sequer pensar na melhoria do ensino em cidades que não têm faculdades ou cursos”, diz a aluna Cláudia Coutinho, 31.

Para Ivete Evangelista, 41, coordenadora da rede municipal de ensino, o benefício do polo vai além dos cursos.

“A inclusão digital também contribui de maneira positiva nas escolas de ensino básico e fundamental, já que os professores que pesquisam na internet conseguem ensinar além dos livros didáticos”, afirmou.

A conexão de internet também atrapalha o polo de Oriximiná (PA). “As ferramentas dos cursos são muito boas, mas há dificuldade para baixar arquivos, mandar trabalhos e fazer pesquisa”, disse o coordenador, Miguel Ângelo de Oliveira Canto. “De qualquer forma, é um projeto importante”.

Fonte: Folha de São Paulo, 29 de novembro de 2009