Por Marcos A. R. de barros – Professor Universitário – marcospesquisa@yahoo.com.br
Um certo pedagogo e ensaísta, Ricart Bundala, foi interpelado e, até, quase sabatinado por um curioso homem, João da Cruz que, de fachada, reproduzia a classe média frágil, e, por sua avidez sensorial, mostrava-se preocupado com os grandes problemas da educação. Então, formulou várias perguntas impactantes ao Professor Bundala, entre as quais, insistia em saber por que os governos não ofereciam ao povo, verdadeiramente, uma educação de qualidade.
Diante dessa indagação, o pedagogo, quase encurralado, apesar de ser um profundo conhecedor do assunto, disse a João da Cruz que o tema era muito complexo e que posteriormente ele descobriria a verdade. Meses depois, casualmente, os dois se encontraram em uma praça da cidade, e o simples trabalhador João da Cruz, novamente, interpela o Professor Bundala, dizendo: “A educação é ou não um direito do povo? O que devemos fazer, pedagogo?” Diante de tanta pressão, Ricart Bundala disse ao amigo trabalhador: “O Estado traduz os interesses das classes dominantes, através das várias mídias e, como tal, não tem interesse em oferecer uma educação que liberte, logo, impõe uma dominação explícita, através da máquina estatal, reproduzindo de forma acabada o Status Quo”.
Em relação à segunda indagação, disse o Professor Bundala, descendo um pouco do seu pedestal: “Aconselharia os jovens trabalhadores de todo o mundo a unirem forças contra o inimigo comum”. E, logo, João da Cruz pergunta: “E quem é o inimigo comum?” Bundala, já acostumado com as perguntas do amigo, disse em tom bastante alto: “É o “capitalismo compulsivo”, João da Cruz !” Algum tempo depois, João, já bastante politizado, passou a frequentar, mais intensamente o seu sindicato e se tornou um atuante líder, pois pensava sempre nas lições do amigo professor e procurava, frequentemente, basear-se nos fundamentos políticos ensinados pelo mestre, os quais o ajudaram a compreender melhor a sociedade.
Ricart Bundala e João da Cruz tornaram-se grandes amigos, e João passou a frequentar a casa do pedagogo, para visitá-lo ou consultá-lo, uma vez que o companheiro também se solidarizava com os problemas do seu sindicato. Depois de algum tempo, João da Cruz, já bastante vaidoso, não mais interrogava o mestre com insistência, apenas tentava analisar os fatos, dizendo ao Professor Bundala que já entendia claramente a sociedade em que vivia e reconhecia o aspecto reprodutivo da estrutura social, mantenedora da contradição principal, consequentemente, a preservação do poder explorador.
Depois de vários anos, os dois, já mais velhos, encontram-se novamente em uma festa num bairro pobre. João da Cruz, agora mais desinibido, e bem informado, elogiou o amigo professor e contou em detalhes sua história de luta em defesa dos colegas trabalhadores. Admirado com a desenvoltura e a vibração do amigo trabalhador, o Professor Ricart Bundala fez sua reflexão e entendeu porque o “beija-flor” tentava apagar um incêndio, levando no bico uma gotinha de água de cada vez. Logo, o mestre Bundala admitiu que havia dado o seu recado e recebeu também a merecida recompensa, pois, ficara bastante satisfeito em saber que o seu discípulo João da Cruz avançara cada vez mais na vida, principalmente, como bom sindicalista e ativista político.
Dessa forma, o Professor Ricart Bundala compreendeu melhor o seu papel, a importância dos seus ensinamentos na formação dos jovens estudantes e trabalhadores, e que a sua atuação deve ultrapassar os limites dos muros da Escola e penetrar na sociedade global.
João da Cruz, sempre visitava o amigo professor, nos sábados à tarde, horário em que estava livre do trabalho profissional. E como sempre se preocupava com o próximo tema que iria apresentar em seu sindicato, falou ao professor Bundala do seu interesse no tema “Saúde pública no Brasil”. Logo, o pedagogo disse em tom suave: “O que ocorre com a saúde pública se fundamenta na mesma lógica do que acontece com a educação pública no Brasil”. Assim, reafirmava que os governos não estavam preocupados com a Educação e a Saúde Pública, e sim, com banqueiros, com os grandes empresários e com o produto interno bruto (PIB). Disse, ainda, que, lamentavelmente, a Educação e a Saúde pública, segundo alguns teóricos, funcionam como aparelhos ideológicos do poder, mantenedor da estrutura social vigente. Bundala lamentou, dizendo claramente que essa era ainda a ótica feudal que ainda vigora em pleno século XXI. João da Cruz, homem inteligente e interessado em crescer mais ainda, pergunta ao ensaísta Bundala: O que devemos fazer, mestre? E, Bundala, feliz ao sentir o interesse de João da Cruz em descobrir o caminho do enfrentamento, disse: “Aconselharia aos professores, intelectuais sérios, trabalhadores, estudantes e o povo em geral a permanecerem mobilizados contra o “inimigo comum”.”
O pedagogo aprofunda o que vem expondo e analisa a sociedade excludente atual, onde o homem é levado a uma situação de dependência, caracterizadora do que se pode chamar de “sociedade-objeto”, na qual predominam a violência e a banalização, que dilaceram, consequentemente, o homem em sua integralidade. As pessoas são transformadas em objetos de consumo e perdem o sentido da existência, o objetivo da vida. Nesse universo, os jovens são as principais vítimas, possivelmente, lançados no mundo das drogas e da criminalidade; caminha-se, então, em uma sociedade sem referenciais. João da Cruz, ao ouvir as considerações do Professor Bundala, pergunta com curiosidade: “Se existe a sociedade objeto, deve existir também a sociedade sujeito?” E o pedagogo aproveita a pergunta do curioso João da Cruz e explica: “Sim, companheiro! Nós da América Latina, formamos as “sociedades-objetos”, dependentes dos grandes centros de decisões que operam de forma dominante e cruel sobre as sociedades dependentes, impedindo-as de avançar. Infelizmente, os países da América Latina ainda compõem o bloco das sociedades dependentes, alienadas, “objetos” da manipulação de nações poderosas. Ingenuamente, João da Cruz interroga ao professor: “E qual deve ser o caminho da libertação?” E Bundala responde: “Criar e lutar pelos fundamentos de uma Educação crítica, que priorize a cultura e o homem latino-americano numa perspectiva emancipadora”. Só assim, nossa América Latina entrará no rol das nações desenvolvidas, passando a ocupar o espaço como ‘sociedades-sujeitos’, capazes de gerir os seus destinos.