Publicado originalmente em O Globo, no dia 7/10/2019
RIO — Paulo Gomes, de 55 anos, é, na avaliação do ministro da Educação, uma “zebra gorda” : professor universitário federal que ganha entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, sinônimo para a elite docente no dicionário de Abraham Weintraub.
Há 22 anos ensinando engenharia de produção na Faculdade de Tecnologia da UnB (Universidade de Brasília), com doutorado e dedicação exclusiva, Paulo dá 14 horas de aulas semanais na graduação, divididas em seis turmas que somam 410 alunos.
Separa quatro horas por semana para atender orientandos e outras 16 para projetos de extensão e pesquisa, além de se desdobrar em funções administrativas. Somadas, as 40 horas contratadas são escassas para tanto trabalho.
— Preparo as aulas no período das férias escolares, entre os semestres letivos — diz.
Os salários dos professores universitários foram tratados diretamente por Weintraub em evento realizado há duas semanas em São Paulo. Para uma plateia de dirigentes de instituições privadas de ensino superior, ele afirmou que, para recompor o orçamento do Ministério da Educação (MEC), vai “atrás da zebra gorda, que é o professor de uma federal, com dedicação exclusiva, que dá oito horas de aulas por semana e ganha de R$ 15 mil a R$ 20 mil por mês”.
Mais qualificação
Na Unifesp, onde Weintraub dava aula até assumir a Educação, somente um terço dos professores recebe a partir de R$ 15 mil — de acordo com dados da folha de pagamento de agosto de 2019, publicados após pedido via Lei de Acesso à Informação. O mais alto chega a R$ 30 mil.
Nos últimos dez anos, o Brasil viveu uma expansão do ensino superior aliada à qualificação dos docentes, e a combinação desses fatores acarretou em um aumento de 77% da folha de pagamento de pessoal do MEC.
O número de alunos da rede federal cresceu 52% no mesmo período, o de professores de ensino superior da rede pública subiu 55% e o de docentes com doutorado, 125%.
— O problema fiscal do Brasil não é por conta dos salários. O que causou impacto na folha de pagamento foi o crescimento do número de federais. Aí o país deveria ter sido mais cauteloso — aponta Cláudia Costin, professora da FGV e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais.
Sem cargos de comissão ou bolsas de pesquisa, apenas professores com doutorado, dedicação exclusiva e 16 anos de carreira conseguem chegar ao patamar salarial mais alto na Educação pública superior. Ou seja, são pelo menos 27 anos de qualificação somando o tempo na graduação, no mestrado e no doutorado.
— Se os salários não forem atrativos, as universidades não conseguirão bons professores. Estamos falando de profissionais altamente qualificados para os quais o mercado de trabalho oferece postos bem remunerados — argumenta o professor Paulo Gomes.
Na UFRJ, 49% dos professores chegaram ao teto salarial. Lá, 52% dos professores têm mais de 51 anos. A reitora da universidade, Denise Carvalho, afirma que a remuneração brasileira não se compara à de outros países.
— Um professor que ganha menos nos EUA, em universidades que não são de ponta, ganha US$ 80 mil por ano na área de Ciências Humanas e Sociais. Mesmo os que ganham R$ 20 mil mensais no Brasil não chegam a esse patamar anual — diz a reitora. — O salário (dos docentes da UFRJ )é acima da média dos trabalhadores no país, mas a qualificação deles é muito acima da média nacional.
Trabalho extra
Márcio Markendof, de 38 anos, é doutor com dedicação exclusiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com sete anos de casa, ainda não está no patamar salarial criticado por Weintraub. No entanto, publicou na internet o texto “Como me tornei uma zebra gorda” que viralizou entre docentes:
— Assumi nesse semestre, a coordenação de pós-graduação em Literatura. Vou ter mais trabalho sem ganhar nada por isso, pois não recebemos por orientação.
Um professor com dedicação exclusiva, como Márcio, não pode trabalhar em outro lugar além da universidade, onde dedica 40 horas semanais de atividades. Dessas, dá um mínimo de oito horas de aulas.
O restante é dividido para três grupos de atividades: pesquisa, projetos de extensão e funções administrativas (como a participação de comitês ou a produção de pareceres).
Sistema de remuneração
A carreira de docente aparece em relatório da área econômica como a que provoca maior impacto nos gastos públicos. Isso se dá menos pelo valor do salário e mais pela quantidade de servidores federais dessa categoria profissional. Segundo relatórios divulgados pelo Ministério da Economia, o contingente de docentes é de 146 mil pessoas.
A remuneração média de um professor federal, ligado ao Ministério da Educação, foi de R$ 11.109 em junho de 2018, de acordo com os dados do Ministério da Economia. Nesse mesmo mês, as carreiras jurídicas do Poder Executivo federal receberam, em média, R$ 24.025 — mais alta remuneração média entre as categorias que mais pesam no Orçamento da União.
Existem seis cargos na carreira do magistério superior federal, com diferentes classes, denominações e níveis. Um professor titular com doutorado e dedicação exclusiva pode ter remuneração bruta de R$ 19.985. Já a remuneração de um professor associado com título de doutor e em regime de dedicação exclusiva varia de R$ 16.199 a R$ 18.152. A de um professor adjunto com essas características vai de R$ 11.561 a R$ 12.893. Sem dedicação exclusiva, o salário é reduzido. Um professor com carga horário de 40 horas, titular e com doutorado, tem como remuneração bruta R$ 11.201. O do adjunto, R$ 10.205. Para um contrato de 20 horas de professor titular com doutorado, a remuneração bruta é de R$ 6.874.
Fonte: O Globo